163 | Nuvens de algodão, memórias em Expo 2020, Coldplay em Abu Dhabi & Ballet Russo em Dubai
18 Janeiro, Dubai 2025
{Essa carta foi escrita em diferentes momentos pela semana e ela é longa - tenho muita coisa para contar…}
15.01 - Começo a escrever essa carta de um café importante para mim, enquanto alguém importante para mim está sentado do outro lado desse café sem nem ter ideia de que estou aqui também…
O dia de ontem (terça-feira) foi marcante.
E acredito que ter acordado sentindo que um pequeno caminhão passou por cima de mim é um indicativo da intensidade do que foi vivido. Há alguns dias escrevi sobre a importância de sermos intencionais nesse ano que começa e bem, assim que eu tive que oportunidade de comprar um ingresso para um show do Coldplay que aconteceria em alguns dias eu fui intencional e passei o cartão. Nem pensei muito a respeito.
Item 15 da minha lista: otimizar minha vida para experiências!
Nuvens de Algodão
Ontem, ao acordar, já me vi de cara com a minha coisa favorita dos invernos em Dubai: as nuvens de algodão que preenchem o céu - uma das coisas que eu sinto falta do Brasil. Acredite ou não, nesse canto do mundo, durante grande parte do ano o céu é coberto por uma camada de areia/poluição e não é da tonalidade azul fundo que deveria ser. Sem falar que as nuvens se tornam algo extremamente raro. Chuva então - avisam com antecedência e algumas empresas permitem trabalho remoto, de tão raro. Pelo o que eu lembro, foram 5 dias de chuva ano passado.
Olhar para o céu e ver essas nuvens é uma oportunidade de me conectar com a natureza no meio dessa selva de pedra - uma oportunidade muito bem-vinda e gosto de pensar que bem aproveitada também!
Ao trabalhar de manhã de um café olhando essas nuvens já senti o primeiro sinal de alerta, minha garganta começando a doer, um pequeno presságio das horas que viriam. Eu não fico doente com frequência, mas o meu corpo dá sinais e os sinais já estavam sendo dados há alguns dias. Era hora de enfrentar a realidade: seria um dia longo. Ainda mais que eu estaria indo pro show de noite sozinha… em Abu Dhabi. Respirei fundo. Minha estratégia era simples.
Um passo de cada vez.
Terminar de trabalhar → me arrumar → ir para a Expo Dubai de metrô → pegar o ônibus especial do show para Abu Dhabi → ver o show → aproveitar → sobreviver → pegar o mesmo ônibus de volta → pegar um taxi para casa → dormir.
Simples. Doable.
Ao me arrumar para o show decidi pela roupa funcional. Os brilhos ficariam para outro momento. Coloquei meu colete quentinho, um jeans, tênis e me fui. Não posso negar que o caminho no metrô em direção a Expo vendo todo o caminho da cidade preencheu meus olhos. As palmeiras. O solo árido. Os prédios. As construções. As muitas construções. Tantos lugares com memórias. O Burj Al Arab ao fundo. Dubai perante meus olhos.
Um lugar que se tornou a casita.
Ao chegar na Expo, me vejo com a opção de pegar um buggy para ir diretamente ao local de onde o ônibus para o show sairia ou de caminhar. A Expo é uma mini cidade completamente construída para ser sede desse megaevento chamado Expo - uma espécie de Olimpíadas da ciência que acontece a cada 5 anos, com cidades-sede e que dura 6 meses. Honestamente, é uma das coisas mais legais que eu já participei.
E, um lugar que eu tenho uma história pessoal muito profunda…
Expo 2020 City em Dubai
Tudo começou em 2018 quando eu decidi que aplicaria para o programa DBA, para trabalhar em Dubai para o governo, um programa de treinamento com patronagem do Sheikh. A história já começa com uma menina me mandando uma mensagem no Instagram dizendo que acreditava que o programa era minha cara. Eu abro o link e percebo que ela estava certa. Aí quando volto para agradecer ela, a mensagem simplesmente não está mais lá. Até hoje eu penso se foi algo divino, um grande sonho ou o que poderia explicar isso…
Só sei que essa oportunidade literalmente caiu no meu colo.
Resolvi que eu iria fazer esse programa. Me mudaria para o Oriente Médio e trabalharia em Dubai! Simples. Aplico para a vaga, vou para a fase final… e não passo. Não vou mentir, fiquei arrasada, mas também consigo perceber que existe por mais que isso tenha me levado a um caminho desafiador, que consigo ser grata pelas lições aprendidas. As coisas foram como tinham que ter sido.
Não desisto. Resolvo aplicar novamente.
Lembro claramente do meu nervosismo durante o segundo processo seletivo. Lembro, também, que o programa oferecia a possibilidade de fazer um projeto inicial em diferentes empresas/organizações da cidade e que uma delas era a Expo, que Dubai seria sede em 2020. Na época, depois de ter feito minha pesquisa interna, já tinha entendido que era algo muito correlacionado com Relações Internacionais e eu decidi que queria ter aquela experiência.
Pesquisando mais sobre o mega-evento, descubro que em 2010, Shanghai tinha sido a cidade sede do evento. Na verdade, toda uma parte de Pudong tinha sido desenvolvida para isso. Além disso, Shanghai hoje era sede do único Museu sobre as Expos do mundo. Importante: eu morava em Shanghai nessa época. Era quase como se a vida estivesse me mostrando que esse era o próximo passo óbvio na minha vida.
A história toda das Expo é fascinante e a primeira foi realizada em 1851 em Londres onde construíram o Crystal Palace para isso. Na verdade, a Torre Eiffel foi construída para a Expo que foi realizada em Paris! Por historicamente as Expo nunca terem acontecido na América Latina, nós não temos essa cultura de participar ou apreciar esse mega-evento que é super marcante em alguns lugares do mundo. Estrategicamente falando, a China ter aplicado para receber a Expo em 2010 em Shanghai (logo após as Olimpíadas de 2008 em Pequim) fala sobre a capacidade do evento de promover crescimento e aceleração da cidade sede. Com isso em mente, o Sheikh decidiu em 2013 aplicar Dubai para ser cidade sede para a Expo que aconteceria em 2020. Na verdade, a empresa que cuida do programa que eu estava aplicando era a responsável por ter feito a cidade ser escolhida.
Nunca vou esquecer de quando eu entrei naquele museu das Expo em Shanghai e do momento que eu fechei meus olhos desejando profundamente ser escolhida para o programa em Dubai e ser escolhida para fazer o projeto na Expo também. Lá, que aprendi tudo sobre as Expo, e entendi que na verdade são 3 grandes mega-eventos que acontecem no mundo. As Olimpíadas e a Copa do Mundo, ambas realizadas a cada 4 anos, e as Expo que acontecem a cada 5 anos. Todas, possuem um país/cidade sede e tem como objetivo cooperação internacional, seja pelo esporte, seja pela ciência.
Lembro de ter praticamente rezado para Deus e pedido do fundo do meu coração pela chance de viver isso. E como a vida presta, fui selecionada para o programa e me mudei para Dubai em Setembro de 2019.
No mês seguinte, estava realizando o projeto dentro da sede da Expo - que ainda era um canteiro de obras. O evento começaria só em setembro de 2020. Lá, fiz um projeto especial para garantir que diferentes escolas e faculdades do mundo inteiro participariam do evento. Lá, também, conheci a chefe mais exigente e difícil da minha vida e também me inspirei muito em outra líder, do Sri Lanka, que tenho felicidade de dizer que anos depois pude ir no seu casamento também.
Eu lembro e vi com meus olhos alguns marcos da construção da Expo acontecendo. Vi a estratégia sendo feito, e conheci pessoas que trabalhavam desde 2014 nesse projeto. Vi, também, tudo ruindo quando o COVID começou a incerteza de quando o evento começaria. Uma ano depois, em Setembro de 2021, a Expo 2020 começou. Por questões da vida, eu estava de passagem em Dubai e pude ver o evento acontecendo e posso dizer com facilidade que foi uma das melhores experiências da minha vida. E o mais legal de tudo, estava com uma grande amiga do Brasil comigo - e pudemos dividir esse momento juntas
Uma montanha-russa de emoções. Uma montanha de memórias, que foram construídas momento a momento nesse lugar afastado do centro Dubai, e que hoje é uma mini cidade que abriga algumas empresas mas que, sendo sincera, é um pouco o fantasma do que ja foi e a espera do que sera.
Ao andar por mais de 20 minutos por essa mini cidade, que posso dizer que conheço com a palma da minha mão e que possuo memórias das mais diversas, me emocionei. Olhei para cima. Nuvens de algodão ainda. Respirei fundo. Estava indo pro show do Coldplay. Mais uma memória sendo construída. E mesmo com a garganta ainda ardendo, agradeci. Viver essa vida é um privilégio.
Coldplay em Abu Dhabi
Ao entrar no ônibus em direção a Abu Dhabi já me preparei para dormir. Estava cercada de adolescentes com brilhos e eu já me sentindo pronta para a soneca. O remédio definitivamente estava fazendo efeito. Sentei em cima de um ar condicionado forte demais e já entendi que aquela viagem seria longa. Respirei fundo. Entreguei e fechei meus olhos.
Quando abri meus olhos já estava em Abu Dhabi e com o por do sol me olhando de volta. Ah, como que eu cheguei aqui? Como que eu vou para Abu Dhabi e essa é outra cidade que eu conheço bem e já fui incontáveis de vezes? Ainda lembro da minha animação quando descobri que iria pela primeira vez. Uma parada na minha primeira viagem a China. Uma viagem que mudou minha vida. E uma viagem que colocou esse país no meu mapa. Nem nos meus sonhos mais loucos eu acharia lá atrás que moraria aqui. Imagina voltar para ir num show do Coldplay? Realmente, viver essa vida é um privilégio.
Essa foi minha primeira vez no estádio Zayed e me vi no meio de 50 mil pessoas pronta para um momento especial. E sim, fui sozinha nesse show. Consegui ingresso de uma maneira bem estilo Lei da Atração e não perdi essa oportunidade. Sinceramente, não tenho problema de fazer as coisas sozinhas, mas também senti a vontade de dividir esse momento com alguém especial. Sendo dúvida, é isso que nos faz feliz. Dividir e compartilhar.
Do meu lado direito um grupo de chinesas que estavam prontas para sua série de selfies e filtros e do meu outro lado uma mulher sozinha também. Respirei fundo. Aproveitaria esse show para me conectar com essa energia de gratidão pelo o que é e gratidão pelo o que eu sei que virá a ser também.
O show foi lindo. As músicas, emocionantes. Pulei. Ri. Chorei. Celebrei. Rezei.
Existe uma energia única de shows, onde você faz parte de um oceano de pessoas conectada aquele momento e que permitem esse extravasar de emoções. Agradeci mais uma vez. Esse show estava na minha lista de experiências que eu queria ter. Vi, perante meus olhos uma experiência se tornar, música a música, uma memória na minha vida. Inesquecível, sem dúvidas. Fiz baixinho o pedido de um dia poder dividir essa experiência com alguém que eu amo. Agradeci mais uma vez. Vai acontecer. É questão de tempo.
Apesar da minha garganta ainda estar dando sinais de dor, tomei água e me permiti. Os remédios teriam que trabalhar com força, pois eu queria aproveitar aquele momento. Quando o show terminou, olhei ao redor. Pessoas se abraçando, alguns tirando fotos e outros já prontos para ir para casa também.
Fiz o caminho de volta. Ônibus. Sono. Abrir os olhos na Expo. Frio. Muito frio. Me arrastei já exausta em direção a fila do táxi. Pisquei e estava em casa. Cansada. Corpo doendo. Garganta arranhada. Mas feliz. Não apenas sobrevivi a esse dia longo. Vivi ele com intensidade. Agradeci mais uma vez antes de dormir. Viver essa vida é um privilégio.
Ballet Russo em Dubai
No dia seguinte, acordei sentindo meu corpo completamente dolorido. A garganta doía menos e soube que o remédio realmente estava trabalhando bem. Agradeci. Mas, já senti que a semana seria desafiadora e com essa mudança no meu corpo, a moleza, o cansaço… nada sairia como planejado.
Aquilo, o homem planeja e Deus ri.
Tentei produzir o quanto pude, me sentindo frustrada pelo cansaço e um pouco de mau humor. Sim, eu sei, o dia anterior tinha sido lindo. Mas, meu corpo não estava funcionando bem. Muita dor. Nos braços, nas pernas, nas juntas. Cansaço. Parecia que ao andar eu estava arrastando um corpo de 300 quilos. Vou poupar vocês de detalhes sobre meu inchaço e meu período pré-menstruação. Nem tudo é poesia.
Respirei fundo. O dia ainda prometia mais um evento. Mais ibuprofeno. Teria que segurar bem, ainda havia muito a ser feito. Fiz o que pude.
No final da tarde, voltei para casa e encontrei minha mãe já se arrumando. Iríamos no ballet - assistir a prima ballerina do Bolshoi em uma apresentação especial sobre Gabrielle Chanel. Sendo sincera, não tinha pesquisado muito e estava animada de ir para ter esse momento com mamãe, a pessoa que me ensinou a amar as artes e amar esse pequeno ritual de ir a Opera de Dubai.
Coloquei meu vestido rosa, um salto, demos os braços e atravessamos a rua em direção a uma Opera House do mundo. Não sei bem explicar como que eu cheguei até aqui onde não apenas tenho essa vida, mas tenho a oportunidade de ir a pé a lugares e eventos assim. Enquanto alguns são longes, dependentes de metrô e ônibus, outros dependem apenas uma caminhada de algumas centenas de metros.
Já perdi as contas de quantos shows e ballets eu assisti na Opera de Dubai. Agradeço de novo. Estava no meu planejamento de vida. Viver uma vida onde eu sou exposta as artes, ao Ballet e a eventos de gala. Ao me sentar e ver o show começar me senti feliz de ver os olhos de minha mãe brilhando ao ver aquilo. Eu ainda sou jovem e apesar de lembrar bem os tempos das vacas magras hoje posso dizer que minha vida é marcada por isso. Mamãe, viveu décadas nesses tempos. Ela tinha a idade que eu tenho hoje quando andou de avião pela primeira vez. Nada é rotineiro para ela.
Tudo, uma conquista.
O show sobre a vida da Gabrielle Chanel foi uma das coisas mais refinadas que eu já vi na minha vida. Elegância. Beleza. Precisão. Wow. Foi impressionante, para dizer o mínimo. Existe algo de divino em ver alguém que usou sua vida inteira para fazer algo que toca seu coração.
Esse é o poder da arte. O poder do movimento.
Me senti inspirada. O corpo, ainda dolorido e cansaço.
Mas, o coração feliz.
Entre nuvens de algodão, shows no Oriente Médio e memórias espalhadas pela areia eu seguro a mão igual a minha. Vejo olhos emocionados e felizes de estarem aqui comigo. Divido, como posso, momentos com quem amo. Construo, passo a passo, a vida que eu acredito. Supero, com força de vontade, a resistência, o medo, a dor.
Celebro. Abro meu coração.
Agradeço.
Viver essa vida é um privilégio.