Escrevo essa carta sentada no meio da minha casa, da minha mesa, enquanto ainda sonho sobre um pedaço de ontem.
Decidi que em 2025 eu me envolveria mais na arte. Vou ir a mais museus, shows e exibições. E aquilo, decidir realmente é receber. Uma conhecida chinesa me avisou que ela estaria performando na noite de Gala dos Emirados Árabes Unidos - China para comemoração do Ano Novo Chinês que está vindo no final do mês.
Sem nem pensar muito a respeito, reservei um ingresso para minha mãe e para mim. Se tem alguém que gosta de apresentações culturais e de teatro é minha mãe. Já temos ballet do Bolshoi nos esperando semana que vem!
Chegando lá - minha primeira vez na Arena da Coca-Cola, a principal de Dubai - já me senti estranhamente em casa. A movimentação e o barulho típico de chineses trouxe alegria pro meu coração. A maneira de ficar na fila, de estar checando constantemente o WeChat e muito mais me trouxe um onda de gratidão gigantesca. Como que eu posso dizer que eu vivo uma vida onde eu sei e reconheço essas coisas? Onde estar cercada de chineses é familiar? Onde eu entendo o que eles falam ao meu redor (quase tudo)? Onde a minha história pessoal entrelaça de uma maneira ou outra a história daquelas pessoas?
Ao entrar na arena e nos sentarmos para ver as apresentações, já senti uma onda de familiaridade nos chineses filmando tudo e ocupando muito espaço, mas aquilo - faz parte do pacote. A celebração tinha como tema a música pelo tempo e foi uma mistura de apresentações escolares e de cursos em Dubai, com uma qualidade nesse nível, e apresentações profissionais com dançarinos vindo diretamente da China para isso. A verdade é que a comunidade chinesa é bem grande por aqui e se pode ver ir isso no dia a dia também, só notar que o Dubai Mall tem uma área só para isso.
Mas, preciso dividir um momento em específico da noite. Assim que eu vi no telão o nome da próxima apresentação eu já senti um arrepio profundo pelo meu corpo. Dizia: A dream of red mansions.
Fiquei curiosa - não sabia do que se tratava. Assim que a música começou, eu me senti hipnotizada e honestamente, transportada. Não peço que acreditem em mim nem que concordem com o meu modelo da realidade, mas eu tive uma certeza profunda que aquela não era a primeira vez que eu ouvia e via aquilo. Era mais que familiar, era parte de mim. E me senti extremamente comovida. Lágrimas contidas começaram a sair de mim e eu só conseguia pensar: “Estou em casa”. Na verdade, estou escutando a música agora e essas mesmas lágrimas escorrem de mim.
Eu sempre carreguei comigo a certeza de que eu tive uma vida passada na China - e sim, eu acredito em reencarnação. Sempre foi óbvio para mim, levando em consideração o magnetismo que eu sempre senti com esse canto do outro lado do mundo, pelo fato de eu me sentir em casa ouvindo a língua, comendo a comida e no meio deles. É uma crença pessoal, que sei que vai contra a crença da maioria das pessoas, mas não posso ignorá-la ou negá-la. É tão real quanto o vento que eu sinto no meu rosto ao andar na rua no final do dia. Invisível, sem dúvida. Mas ali, inegável. Consigo senti-lo. Presente. Interagindo comigo.
Ao viajar na China, tive o privilégio de conhecer diferentes cidades e uma específica marcou minha história e concretizou essa crença. Eu sei que já vivi lá. Há muito, muito tempo.
E ao ver essa apresentação, a música e as mulheres dançando, tive a certeza que eu já vesti essas roupas e já dancei assim também no passado. Ainda não li o livro, mas a apresentação é baseada em algo que eu descobri ser um clássico da literatura chinesa. Um sonho de mansões vermelhas, ou A dream of red mansions (ou até mesmo Dream of the Red Chamber or The Story of the Stone) fala da história de 12 diferentes mulheres. Mesmo sem ter ideia do que se tratava e mesmo não havendo diálogo, eu sabia o que elas estavam contando. Suas emoções, sua história pessoal. Familiar. Presente. Invisível, sem dúvida. Mas ali, inegável. Consegui senti-la. Presente. Interagindo comigo. No meu centro.
Ao chegar em casa e pesquisar mais sobre isso senti um puxão de volta. A China me chama. Mais uma vez. Pensando bem, houve algum momento que a China não me chamou?! Me lembro muito nova vendo O Tigre e o Dragão e sentindo algo similar. O magnetismo. O pincel. A tinta. A seda. A calma. A violência. A ordem.
De maneira inexplicável, sinto meu destino entrelaçado com o destino de um povo distante. Literalmente do outro lado do mundo de onde nasci. Mas, que mesmo assim, continua me chamando. Os ventos são favoráveis e eles cantam meu nome. Um nome que eu sei que não é Ana. É algo diferente.
Mas, que também sou eu.
O pincel. A tinta. A seda. A calma. A violência. A ordem. O movimento. O entrelaçar de destinos pelo tempo. A volta para casa.
E como tentar explicar o inexplicável? O irracional? A blasfêmia para alguns?
Assim como aquelas mulheres dançando, entendo que algumas coisas são expressáveis, mas talvez não explicáveis. Assim como algumas coisas na vida não podemos ensinar, mas podemos aprender.
Respiro. Me permito dividir essa gota de mim. Confusa. Diferente. Mas tão, mas tão bela. Assim como o vídeo abaixo, que é a exata apresentação que eu vi.
Talvez você sinta algo também,
ou - talvez não.