099 | Eu sou livre - ou minha jornada de expansão e cura na China
12 Agosto, Shanghai 2023
Escrevo essa carta a caminho do aeroporto, já olhando para o final dessa viagem que com certeza se transformou em uma das mais marcantes da minha - como eu sabia que seria.
Não sei bem por onde começar essa carta.
As últimas semanas foram intensas, uma verdadeira montanha-russa de emoções. Senti o impacto inicial, a tristeza e fiquei de frente com muitos demônios e quis ir embora o mais rápido possível. Depois, vi a beleza de Beijing e me relembrei o porquê de eu ter me apaixonado por esse país tão complicado e como que eu me sinto quando consigo me conectar com esses aspectos que encantam meu coração.
Enfrentei memórias difíceis com um coração aberto e fui corajosa. Amigas próximas me falaram que estavam surpresas com minhas ações e que não conseguiam se imaginar fazendo o que eu estava fazendo. Fiz de tudo. Caminhei pelas ruas que tive ataques de pânico e senti gratidão por estar bem e saudável hoje. Sou outra pessoa. Fui comer nos restaurantes que eu tive encontros com meu ex e fiz novas memórias em locais onde um amor que quase me destruiu começou. Fui em todos os lugares de Shanghai que eu conseguia me lembrar. Enfrentei, de peito aberto, memórias, sensações e medos. E… superei tudo isso.
Numa reviravolta do destino, me senti diferente e segui uma intuição forte que eu tive de ficar mais tempo na cidade. E no mesmo dia que era pra eu estar dentro de um avião, a caminho de casa, eu encontrei alguém que eu sei que mudará meu destino. Alguém especial. Alguém que me deu memórias inimagináveis e aqueceu meu coração.
Essa viagem para a China se tornou absolutamente nada do que eu tinha planejado. Longe disso, na verdade. Mas, ela foi capaz de me entregar não o que eu queria, mas o que eu precisava: cura. Uma virada de página. Se antes, eu pensava na China com o coração acelerado, com meio, com receio, com dor, hoje consigo pensar apenas com carinho e com a certeza que voltarei muitas vezes para essa casa longe de casa.
Minha história com a China é longa. Mais de uma década e representa um dos maiores sonhos da minha vida que foi vivido. Eu conquistei esse sonho de morar na China, de experienciar seu dia a dia e de aceitar tudo que veio no pacote: crescimento, memórias, coração partido e reconstruído e muito mais. A China forjou, a ferro e fogo, a pessoa que eu sou hoje. Fecho meus olhos e me conecto com tantos momentos. A animação de ir, o medo de não saber se voltaria, a insegurança de não entender como moraria lá, o milagre de conseguir ir, a decepção de muito o que eu vivi, a tristeza sem fim de não conseguir voltar por causa do Covid e a aceitação de que algumas coisas simplesmente são como são.
Ainda não consigo acreditar que eu realmente me tornei essa mulher. Que conhece muitas cidades da China, que se vira bem na língua chinesa, que construiu algo dentro e fora desse país, mas principalmente, uma mulher que mesmo com o coração destruído, foi capaz de não abrir mão de um tesouro interno, ainda existente dentro de si.
Voltar a Shanghai foi me reconectar com uma parte de mim indestrutível.
Foi um lembrete, de que não importa quantos invernos eu possa viver, o verão teimará em voltar logo em seguida, mesmo que demore um pouco. Foi um lembrete de que uma certa doçura ainda existe dentro de mim, mesmo que o mundo tenha tentado destruir isso a todo custo. Um lembrete dessa força avassaladora dentro de mim. De que eu sou capaz do infinito e de que… eu mereço viver coisas boas.
E mais surpreendente ainda - pelo menos para mim, com a minha história - serviu como um lembrete algo ainda mais importante: de que eu mereço ser amada.
No meu último dia aqui, ao andar de bicicleta por essas ruas tão familiares para mim, eu senti uma sensação que eu não sentia há anos: de que eu sou livre. De que, finalmente, eu posso virar essa página completamente e deixar tudo pra trás. De que mesmo ao ir no núcleo da minha dor, eu fui capaz de encontrar algo precioso… a vontade de seguir em frente.
Sei que volto uma nova mulher. Renovada. Forte. Mas, ao mesmo tempo, doce.
Palavras não expressam a minha gratidão de poder viver isso e de poder viver uma vida assim. Eu amo isso. A intensidade de viver tudo que há para se viver. De ser capaz de abrir completamente meus braços e de receber. Receber tudo. O amor. A dor. A alegria. A decepção. O medo. A coragem. De receber… a vida. Exatamente como ela é.
Nas minhas últimas horas, na minha última noite, resolvo andar pelo Bund e vejo do outro lado do rio todos os prédios que compõe a cena mais icônica da cidade. Relembro a Ana de 2019 se despedindo da cidade. Relembro a Ana de 2020, voltando bem quando o Covid começou em uma situação completamente diferente.
Relembro meu primeiro dia morando na cidade, em 2017, e lembro com uma quantidade incrível de detalhes o meu pensamento ao andar de taxi exatamente por aquela rua. Lembro de ter olhado pela janela e ter imaginado: o que será que vai acontecer aqui? A ana de 2017 jamais acreditaria e talvez até se assustasse. Mas, hoje sou capaz de pegar na mão dela e de dizer com uma certeza absoluta: tudo vai ficar bem.
Ao olhar para os prédios, sabendo que minhas horas na cidade estão acabando, fecho meus olhos e me conecto com um futuro diferente. Com um futuro com mais amor nessa cidade. Com mais acolhimento. Com mais verdade. Me abro para isso. Agradeço baixinho tudo que me trouxe até aqui, exatamente como foi. Agradeço a alegria, a tristeza, o amor, a decepção… tudo. Sabe, eu não mudaria nada. Cada momento da minha vida me trouxe até esse exato momento, até essa vida que eu tenho o privilégio de ter, até essa versão de mim de hoje. Sinto meu coração pulsando de gratidão. Sinto também, as lágrimas correndo pelo meu rosto. Começo a rir sozinha e penso: parece uma cena de filme. Ao abrir meus olhos, vejo uma estrela cadente ao fundo e sinto uma mágica inexplicável.
É, realmente estou vivendo uma cena de um filme.
E que bom.
Hoje, sou personagem principal da minha vida e não mais a personagem secundária que deixa outras pessoas ditarem meu nível de felicidade ou de realização. Não me entenda mal, ainda estou na parte do filme que a personagem principal ainda está se descobrindo e entendendo muita coisa sozinha. Mas, tenho fé no desenvolvimento dessa história, que eu sei que será preenchida com muitos momentos incríveis, reviravoltas e, espero, será preenchida muito amor.
Ao ver aquela estrela cadente, exatamente no segundo que eu abri meus olhos, senti dentro de mim a benevolência do universo. A certeza que eu estou amparada e coberta por um manto de muita mágica e proteção. O invisível sempre fez parte da minha vida e sendo sincera, é a coisa que eu mais confio.
E por isso sou sempre tão grata. O melhor é inevitável.
Obrigada, China. Obrigada, Shanghai.
Você nunca me deu o que eu queria, mas você sempre conseguiu me dar o que eu precisava. Para me tornar melhor. Para me amar mais.
Para crescer.
Para aprender a ser…
livre.
*essa carta está sendo publicada com 2 dias de atraso.
essa foi uma das minhas cartas favoritas!
Dios mío Ana! pude sentir desde el otro lado de la pantalla tus emociones, me adentré a toda esa aventura y pude imaginarte tal cual. Además de ser un relato inspirador que acaba de llenar mis baterías de coraje y ambición, te digo que tenes un gran talento para la narrativa, espero leer tus libros pronto. Gracias♥