Escrevo essa carta no último trem de Hangzhou para Shanghai do dia, e sinto uma vontade imensa de dividir uma parte de mim muito íntima, ou, um dos meus lugares favoritos do mundo.
Ontem, entrei no trem rumo a Hangzhou com uma missão muito clara: almoçar, encontrar um café e trabalhar por algumas horas, ir para o lago e ver uma das minhas vistas favoritas da China e encontrar uma grande amiga para jantar. Estava tudo esquematizado, inclusive minha bolsa. Mas, como a vida pode surpreender, acabei passando a noite na cidade - e eu só tinha a roupa do corpo.
Depois de ter escapado do calor, trabalhado de um dos meus cafés favoritos, resolvi pegar uma bicicleta e fazer parte do West Lake (um dos lagos mais conhecidos da China) e aí que as coisas começaram a mudar. Eu não queria ir embora. Ouso dizer que se esse pedaço terra não é o meu favorito do mundo, é sem dúvida um dos que eu mais me sinto bem. A beleza, a natureza, a vista repleta de morros e barcos de dragão e um sentimento forte do que a China representa pra mim.
Não foi muito difícil durante o jantar - com uma chinesa que trabalhou comigo em Dubai por um ano - perceber que eu queria perder o meu trem de volta. Nem pensei muito nas consequências disso, simplesmente ignorei o relógio e fiquei conversando com ela por horas. Claro, saber meus caminhos nesse país me ajuda a poder tomar uma decisão assim, como saber usar sites chineses (em chinês) para achar um hotel para a noite, mas ainda assim.
Não consigo descrever bem o quanto que eu amo essa vida espontânea e com tanta liberdade. Quando foi a última vez que você simplesmente decidiu passar a noite em uma cidade diferente… só porque você podia fazer isso? Olho para a minha jornada e ainda me sinto incrédula com a vida que eu estou construindo e como que eu cheguei aqui. Mas, como sempre, agradeço muito.
Sendo sincera, dormir na cidade foi a melhor escolha, visto que eu tive uma manhã seguinte cheia de reuniões. Infelizmente, estava com cara de cansada em todas, já que eu não tinha nada comigo. Antes de dormir, pedi no Meituan (aplicativo de entrega de comida) alguns artigos básicos de sobrevivência, como um pijama, meias, calcinha e uma blusa para o dia seguinte. Não conheço tantos países em que você encontra acesso a algo assim, depois da meia noite, e com entrega em menos de 20 minutos. A China é o grande triunfo da conveniência e de que quase tudo é possível - a qualquer hora do dia.
No segundo dia na cidade, repeti o primeiro. Fui num café, trabalhei, e peguei a bicicleta para fazer o resto do lago. Foram quase 2h de bike - suando num calor de quase 40 graus - mas eu poderia fazer isso todos os dias da minha vida. A beleza… as sensações… inexplicável. Pude também, dessa vez visitar a grande Pagoda da cidade pela segunda vez. Eu tinha uma memória muito dolorosa da primeira vez e poder voltar e fazer novas memórias lá é um verdadeiro privilégio.
Se não foi um dos melhores dias da minha vida, foi sem dúvida um dos melhores dias do meu ano. E, eu estava completamente sozinha. Mas, poder me conectar com essa cidade e esse lugar tão especial no meu coração foi lindo, especial e marcante. Em 2018, eu apliquei para uma universidade em Shanghai e uma universidade em Hangzhou para estudar chinês. Acabei decidindo por Shanghai porque na época havia conhecido um menino - que virou meu namorado - e não pude evitar de pensar no que teria acontecido se eu tivesse feito uma escolha diferente.
Não me entenda mal, eu não me arrependo e nem mudaria uma vírgula da minha vida. Tudo, absolutamente tudo que eu já vivi que me trouxe até aqui e eu não mudaria minha vida atual por nada. Eu amo quem eu me tornei e a mulher que eu sou, mesmo tendo vivido tudo que eu vivi para chegar até aqui. Eu consigo abraçar todos os momentos bons e ruins e consigo agradecer por cada sorriso e cada lágrima. Mas, não conseguia superar uma sensação forte de que na verdade aquele lugar que era minha casa. Talvez um dia eu ainda more lá por um tempo. Me parece a coisa certa, a coisa mais normal do mundo. Como se meu coração tivesse morada por entre as ruas com as árvores mais lindas e o lago de tirar o fôlego.
Estar em contato com a água sempre foi importante para mim e sempre me trouxe muita paz. Há algo que se conecta com minha alma quando eu vejo um lago ou o mar, quando eu sinto que estou próxima desse elemento. Me acalma, me acolhe, me dá paz e segurança. Por mais que eu tenha feito dezenas de vídeos, nada faz justiça a beleza que eu vi com meus olhos e o forte sentimento de gratidão e amor que eu senti.
Se no começo minha viagem para a China se mostrou forte, dolorosa e quase insuportável, com o tempo - e principalmente depois de Beijing - de torna algo diferente. Uma brisa confortante, um lugar familiar e… acreditem ou não, uma fonte de forte e felicidade.
Visitar Hangzhou me ajudou a me conectar ainda mais com meu coração e também com a natureza. A relembrar o tanto de lugares por aí, ao redor do mundo, que estão a espera de serem descobertos por nós e até, quem sabe, se tornarem um refúgio também. Volto para Shanghai um pouco diferente. Com mais amor no meu peito, mais beleza nos meus olhos e me sentindo conectada, firme mas também suave.
Viver essa vida é um privilégio, e ao ver tanta beleza no lago, não pude deixar de agradecer baixinho, inúmeras vezes. Por anos eu sonhei com algo difícil de explicar, uma sensação… de liberdade, completude e expansão. Ao estar ali, pude sentir tudo isso e soube, naquele momento, que eu vivo a vida dos meus sonhos. Todos os dias. Em cada escolha, cada consequência, cada sorriso e cada lágrima também.
Hangzhou, além da sua beleza de tirar o fôlego, eu sinto seu coração pulsando no mesmo ritmo do meu. Gratidão por fazer parte da minha jornada e por tudo que você me dá.
Em cada esquina,
em cada detalhe,
eu me sinto em casa.
*essa carta foi postada com 1 dia e meio de atraso.