Escrevo essa carta do meu hotel em Pequim, já no meio da noite.
A verdade que eu estou na China há quase 2 semanas e já escrevi muito. Tanto no computador, quando no papel. Mas, muito do que eu escrevi é como se fosse um segredo, do qual não estou disposta a dividir com o mundo. Algumas cartas são de mim para mim mesma, e isso tem que bastar.
Mas, muitas cartas sempre foram um canal para eu dividir minha vida e minha jornada em diferentes lugares do mundo. Nas últimas viagens, fiz questão de escrever uma carta por dia e dividir o máximo que eu conseguia, era importante pra mim.
Mas, aqui na China… é diferente.
Eu voltei para a China para comemorar os meus 10 anos da primeira vez que eu estive aqui e marquei essa viagem cheia de esperança. Na verdade, a ideia era fazer uma grande viagem pelo país, explorando locais que eu nunca tinha ido ainda e realmente comemorando da melhor maneira possível essa data tão especial. De verdade, vir para a China em 2013 mudou a minha vida. Abriu as portas da Ásia e moldou a maioria das minhas escolhas desde então.
Mas, a realidade foi outra ao chegar aqui. Pelo menos, ao chegar em Shanghai.
Eu nem publiquei aqui, mas passei 3 dias em Guangzhou (minha primeira vez lá) para dar andamento a um projeto que é meu sonho. Eu amei a cidade e fui muito feliz nesses dias. Me senti estranhamente em casa. Feliz. Animada.
Mas, então fui para Shanghai. E aí, as coisas começaram a mudar…
Para quem não sabe, eu morei em Shanghai por 2 anos. Essa foi a cidade mais desafiadora da minha vida, onde além de ter estudado a língua chinesa, eu também fiz um mestrado em Economia aqui. Mas, muito além disso, foi em Shanghai que eu tive ataques severos de pânico e também vivi grande parte do meu último relacionamento - que hoje, entendo que foi muito abusivo.
Foi difícil para mim chegar nessa cidade - que já foi um dos maiores sonhos da minha vida - e encontrar memórias intragáveis por todos os cantos. Ao andar pelas ruas conhecidas, lembrava de momentos difíceis e tive que relembrar e me ver de frente com um passado que hoje entendo que eu quero esquecer. Minha memória é peculiar e consigo lembrar com detalhes como que eu me senti em todos os lugares que eu já fui. Muitas vezes nem lembro com quem estava, mas lembro das sensações que eu tive.
Imagina eu lembrar de muitos ataques de pânico e ansiedade por diferentes esquinas, ou todos os restaurantes que eu já fui com meu ex e a sensação que eu sempre tive ao seu lado? É desafiador. Muito.
Sim, estar aqui é estar de frente com uma cultura maravilhosa. Pude conversar com amigos, aprender ainda mais sobre esse país que nunca para de me surpreender e vi muita (muita) beleza. Estar em Pequim é um lembrete do que fez com que eu me apaixonasse por esse país. Mas, eu precisei aprender uma lição importante e de muita humildade: eu não preciso dar conta de tudo sozinha.
Ao sentir esse aperto no peito do meu passado, ao invés de reunir coragem e ser durona e encarar uma viagem super complexa, eu simplesmente… desisti.
Isso mesmo. Eu desisti da minha viagem.
E fui além, por ter feito isso, remarquei minha passagem e passarei menos tempo nesse país que o previsto. Sim, eu vim fazer novas memórias. Sim, eu estou fazendo isso. Sim, eu poderia simplesmente ficar por aqui. Mas, eu posso ser leve comigo e não forçar a barra. Posso sim entender que eu sou humana, que dói estar aqui e encarar o fato de que hoje eu sou mais feliz no Oriente Médio.
A verdade é que eu não quero ser forte. Eu não quero ser autossuficiente. Eu quero sentir o que eu estou sentindo, mas não quero forçar a barra. Eu escolho ser leve.
Eu escolher ser feliz.
Mesmo que isso signifique uma mudança de planos ou deixar esse país mais cedo. Não me entenda mal, eu indico a China para todos. Eu amo esse país. Mas, talvez o meu tempo aqui - no formato atual - já tenha passado. A verdade é que o país mudou desde o Covid. As coisas estão diferentes… quase todos os estrangeiros que eu conheço saíram daqui e por uma razão.
E eu estou diferente. Muito.
Ainda tenho mais alguns dias nesse país, e mais algumas cidades pela frente. Tenho, também, a chance de encontrar pessoas maravilhosas e fazer novas memórias por aqui. Hoje mesmo, pude almoçar com uma mentoranda minha de Cabo Verde por aqui e me senti tão grata e feliz de ter uma vida que eu tenho tantas pessoas maravilhosas ao redor do mundo.
Poder rever esse canto do mundo, rever a Cidade Proibida, a vista do Bund em Shanghai e andar de bicicleta por cidades na China enquanto vivo o melhor (e o maior desafiador) da vida chinesa é um privilégio. Que eu agradeço muito.
Enquanto vivo um dia de cada vez por aqui (e muitas mudanças de planos) quero te relembrar que nem sempre precisamos ser fortes. E que não precisamos dar conta de tudo sozinha.
Está tudo bem mudar planos os planos.
Está tudo bem escolher ser gentil com você mesmo.
Seja nas pequenas escolhas, do seu quarto. Seja nas grandes escolhas, do outro lado do mundo.
Muito forte ! Que seja boa enquanto durar a viagem!
E obrigada por nos lembrar que tudo bem mudar de planos e ser gentil com a gente mesmo :)