Escrevo essa carta já muito tarde da noite, enquanto ando pelo meu bairro para ter meus passos do dia, a espera do horário da live que farei no Instagram.
Hoje o dia começou lento, algo esperado não só para hoje, mas para essa semana toda, visto que irei dormir tarde todos os dias. Com a chegada da turma 8 de mentoria, decidi utilizar essa semana para dar o máximo de conteúdo gratuito, para poder entrar na minha toca com a próxima turma mais tranquila que eu servi o máximo possível para todos.
Com o final do meu programa em minha academia, hoje me aventurei na academia do meu próprio prédio sozinha e fico feliz em informar que me senti segura de fazer os movimentos sozinhas e que realmente sinto que incorporei a musculação na minha vida. Que coisa louca olhar pra minha vida e perceber eu indo pra academia de maneira automática, por vontade própria, não por algum tipo de obrigação. Me movimentar realmente me faz feliz.
Fui, então, pro café que eu estou indo nos últimos dias e fiquei quase 7h direto trabalhando e também estudando. Comentei há alguns dias sobre um podcast do Lex Fridman com o matemático Edward Frenkel e o quanto esse podcast me impactou. Pois bem, eu havia pedido o livro do Edward, que finalmente chegou hoje.
Conforme eu ia lendo as páginas do livro, eu senti muita vontade de chorar. É um livro sobre matemática pura, com explicações de conceitos do que a matemática é de verdade - não as coisas chatas que aprendemos - e de como a matemática é a linguagem mais pura, atemporal. Ao ler as explicações e ver as figuras e números nas páginas, senti um arrepio no meu corpo e não consegui conter as lágrimas.
Primeiro, por ter me permitido comprar um livro que eu sabia que seria desafiador e por ter me permitido entrar nessa jornada que minha curiosidade e minha alma clamava.
Segundo, porque eu senti uma parte de mim renascendo. Uma parte de mim que morreu há muitos anos, no momento que eu acreditei que a matemática não era algo pra mim - que era algo difícil, inacessível, quase como um perigo que eu deveria me manter longe. Eu ainda não sei dizer se foi uma morte de morte morrida ou matada, mas em algum momento na escola, a matemática (e as ciências exatas de maneira geral) deixou de ser algo prazeroso e animador.
E isso, pra mim, representou o fim de um amor. Talvez, o meu primeiro amor. O amor pelas estrelas e pela astrofísica.
As memórias mais antigas que eu tenho, são de eu muito jovem na banca do jornal, pedindo pra mãe comprar as revistas que falavam sobre o espaço sideral. Olhando pra trás, fico emocionada. Éramos pobres e mesmo assim, a mãe nunca deixou de comprar um livro ou uma revista que eu pedi. Nunca. Acho que eu já falei aqui, mas um dos meus filmes favoritos é Contato, baseado numa obra de Carl Sagan. Eu me via na personagem principal, uma cientista que tinha como missão de vida buscar vida fora da terra. Eu nem sei dizer quantas vezes eu vi aquele filme.
Mas, em algum momento, esse sonho morreu. Essa conexão com a ciência. Essa curiosidade. Lembro nitidamente do fatídico dia que eu chorei muito pra minha mãe porque eu tinha tirado 0.2 em uma prova que valia 2.
Eu sei que eu tinha o potencial. Eu tinha a paixão. E mesmo estudando em um colégio particular, em algum momento, eu não consegui mais acompanhar. Em algum momento, tudo virou grego, uma língua que eu não entendia e que me aterrorizava. Ao ler no livro a explicação do Edward - um dos maiores matemáticos do mundo - sobre como as pessoas ficam pra trás ao aprenderem fórmulas inúteis, eu senti alívio. Ufa. Então, talvez o problema não fosse eu.
Sabe, na minha mentoria já identifiquei na esmagadora maioria das minhas mentorandas mulheres o mesmo sentimento: que a matemática é algo perigoso, da qual devemos manter nossa distância. Que é simplesmente algo que não somos boas. Ponto final.
Quanta bobagem!
Em algum momento, por alguma razão, aprendemos e internalizamos que não podemos ser boas com os números e com a área da ciência. Que não temos capacidade. Que não somos inteligentes o suficiente.
Por anos eu carreguei esse fardo e essa auto-profecia realizável. Na faculdade, morria de medo de qualquer cadeira que continha números. Rodei na cadeira de matemática e de contabilidade (sim, estudei isso em RI) e lembro da sensação de derrotismo antes mesmo de começarem as aulas. O pânico. A certeza que eu ia fracassar. Que ia ser um monstro grande demais para derrotar.
Sem nem falar a época do meu mestrado em economia - que eu fiz já sentindo o medo do que me esperava. A dor de fazer minha tese (em econometria) foi muito profunda, pois carrega em si também a dor de não me sentir boa o suficiente para aquilo tudo. Essa foi a época mais difícil da minha vida. Mestrados são notavelmente conhecidos por serem desafiadores para a saúde mental dos estudantes. No meu caso, tudo isso combinado com o término de relacionamento abusivo, me levaram a ataques de pânicos severos.
Mas, eu dei a volta por si. Passei no mestrado. Recuperei minha saúde mental. E ah, tirei as pessoas tóxicas da minha vida.
Sabe, há alguns meses eu ando flertando com a ciência de maneira mais profunda. Ouvindo podcasts longuíssimos sobre assuntos que eu sempre amei: astrofísica, física quântica, mecânica quantidade, robótica, etc. Conseguia acompanhar conversas sobre assuntos complexos e avançados, mas sempre apenas falando sobre ideias e conceitos, sem entrar nos números de fato que suportavam tudo isso.
Hoje, pela primeira vez, me permiti abrir um livro que continha justamente isso, meu maior medo: números e equações. E apesar da excitação inicial, eu me senti… apaixonada. Quase que apesar de não reconhecer as paredes e a decoração, ser capaz de sentir no meu coração que eu estou no meu lar.
Olhando pra trás, fico pensando se não escolhi as relações internacionais porque explorar o nosso mundo parecia ser mais possível do que explorar nosso sistema solar e nossa Via Láctea. Fiquei pensando na possibilidade de me inscrever em algum curso superior de matemática on-line. Não por ambições profissionais, mas pela simples vontade de aprender mais. De estudar. De meter minha cara nos livros. De me permitir descobrir: até onde eu consigo ir?
Será que estou viajando? Ou será que eu só não redescobri um amor antigo… do qual eu quero explorar e me reconectar?
De noite, ao ir na livraria comprar outro caderno de anotações, vi meus pés caminhando direto para a área dos livros de ciência. Ri. Eu já sei os livros da área da matemática e astrofísica de cor. Ri de novo. A grande maioria eu já abri, já fiquei virando as páginas, mas nunca me permiti de fato começar a ler um. Abro um livro de teoria dos jogos que parece ser complexo. Vejo uma equação. Grego. Não tenho a menor ideia do que esteja ali. Rio de novo.
Algo em mim mudou.
Não sinto mais medo. Não sinto mais vergonha. Não me sinto mais paralisada.
Sinto apenas curiosidade.
O que será que esses números e essas letras estranhas querem dizer?
Hoje, pela primeira vez em muito tempo, eu me senti capaz de ir atrás…
para descobrir.
Lembrando que a turma 8 da mentoria começa dia 04/06.
As informações você encontra aqui.
Sorri muito lendo esta carta. Tive a sorte de sentir esse mesmo entusiasmo em algumas aulas da minha vida também (que, por sinal, foram sobre idiomas e música, minhas paixões desde que me conheço por gente). É realmente uma das melhores sensações, ver quantas coisas estão a nossa espera para serem descobertas e não ver a hora de descobrir tudo. Ainda mais quando são relacionadas a paixões da infância, quando ainda não éramos condicionados por vários fatores externos.
O ambiente em que vivemos influencia demais mesmo. Minha jornada com os números e cálculos começou bem no Brasil e percebi que ao chegar na Itália começou a despencar. Fui estudar nos EUA e voltou a ser boa. Entao ficou claro para mim o motivo das ciências exatas serem uma luta toda vez que eu voltava pra Itália, o nível de ensino dessas matérias era lamentável em varios sentidos. Agora quando lembro disso acho engraçado, parece até absurdo. Mas a situação melhorou bastante depois da escola.
Enfim, parabéns Ana por ter dado mais uma chance para sua primeira paixão e estar vivendo essa felicidade ao redescobrir (e descobrir) aos poucos o que esse mundo dos números e da ciência tem a oferecer. Aproveite bastante essa jornada! 💙