Escrevo essa carta atrasada, mas feliz de ontem ter tido um dia tão ocupado e cheia de coisa que realmente não consegui parar para organizar minhas ideias e dividir tudo que eu vivi no terceiro e último dia de evento na ONU.
O dia, como sempre, começou corrido e me senti nostálgica ao passar minha credencial para entrar no prédio pelo meu último dia. É incrível o pace dessa cidade e apesar de estar aqui há apenas uma semana, as vezes tenho a sensação de que estou há muito mais tempo. Os dias parecem ser bem mais longos e em um dia eu sinto que vivi o que eu vivo em muito tempo.
Poder andar por esses corredores, com tanta história e onde as coisas realmente acontecem me dá uma sensação forte de poder e de que as coisas são possíveis. Antes de vir para cá fiquei ouvindo em loop a trilha sonora de Hamilton e a música lusófonos e bem, essa é energia do momento - mas de uma forma melhor que a música.
A manhã foi focada em como alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável com os jovens e para os jovens. Eu sai um pouco mais cedo e fui para um café que fica na parte interna, onde precisei mandar uns e-mails e trabalhar por um pouco. Nesse terceiro dia de evento, muitos estavam fazendo isso e também grupos informais foram feitos pelos corredores para discutir sobre ODS específicos e também encontros informais com representantes de diferentes organizações que estavam querendo engajar com jovens e também apresentar oportunidades de trabalho futuras. De verdade, estar nesse ambiente é algo tão vibrante e inspirador.
Encontrei lá com a Julia, uma jovem americana com background em China que eu realmente me senti próxima. Fomos para o quarto andar, onde fica o restaurante dos funcionários e ficamos conversando por quase uma hora. Fiquei feliz de sentir que pude contribuir com sua jornada e fiz uma espécie de mini mentoria com ela. Ela me falou que eu deveria fazer uma mentoria em inglês e que ela seria a primeira a se inscrever. A verdade é que eu tenho mentorandos de diferentes países, mas todos de países lusófonos.
Poder expandir o impacto da mentoria para mais países é um foco antigo, mas como eu sempre falo: o jogo da vida é um jogo interno. Ainda há bloqueios internos meus que eu tenho que superar e conversar com a Julia me fez entender que essa deve ser uma prioridade até meu aniversário. Não importa quantas pessoas vão se inscrever, essa é uma porta que apenas eu posso abrir - e que eu devo abrir. O quanto antes.
Depois, segui para uma sessão paralela sobre habilidades digitais e conhecimento. Me sentar para a última sessão foi desafiador. Eu não queria que acabasse. Eu olhei ao redor na sala e vi um dos grupos mais diversos que eu já vi na vida. Pessoas da América Latina, Asiáticos, Africanos… todos juntos discutindo ideias e querendo um mundo melhor, mais justo e mais sustentável. Nesses ambientes que eu me sinto realmente em casa e fica no ar uma sensação difícil de colocar em palavras.
Como explicar que além de ter estudado Relações Internacionais eu sou uma internacionalista? Que o mundo é a minha casa? Que dentro de um grupo realmente diverso que eu me sinto viva e parte de algo maior que eu?
Nesses três dias ouvi muitos discursos, tanto de oficias da ONU quanto de representantes da juventude mundial. Entretanto, fica uma leve frustração no ar. Como garantir que a juventude realmente terá um espaço no ambiente de tomada de decisão? Como garantir que as ideias trazidas serão transformadas em ações? Como garantir que exista um espaço equitativo de troca para todos?
Nos corredores, esbarro com Luísa, uma brasileira que é uma líder jovem para os SDGs da ONU e a única brasileira escolhida. Ela falou em vários painéis e me reconheceu da internet. Foi muito legal poder conversar um pouquinho com ela e indicar o insta dela para outras pessoas (álias, sigam: @luhfm). Ela fala muito sobre direitos digitais e é incrível e inspirada. Como eu já falei antes, nossa juventude brasileira estava muito bem representada.
Ao sair do prédio pela última vez, vejo um por do sol começando a se formar, a bandeira da ONU e uma vista que eu reconheço “de outros carnavais". Como que eu construi uma vida que eu estou me despedindo da ONU pela terceira vez? E com um sentimento no meu peito que não será a última? Como que eu transformei essa ideia que já foi um dos meus sonhos mais loucos… em realidade? E de novo? E de novo?
Coloco a mão no meu peito, fecho meus olhos e agradeço baixinho. Penso nos meus antepassados e se eles um dia imaginariam que sua futura geração estaria aqui, ocupando esse espaço. Penso na minha avó que já está do outro lado, uma mulher negra, brasileira, que viveu a vida que era possível naquela época. Penso na minha mãe, negra, os caminhos que ela - sozinha - conseguiu abrir para si e para suas filhas. Agradeço. Agradeço mais um pouco. Sinto as mãos no meu peito e tento sugar o máximo daquela energia. Que privilégio viver. E que privilégio viver isso. Aqui. Sei que não estou sozinha aqui, que junto comigo vem uma linhagem de mulheres que não tiveram oportunidades e que hoje as eu tenho. Eu as honro. Muito. Estou tentando fazer o melhor com tudo que me foi dado.
Sigo direto para a Missão Permanente dos Emirados Árabes Unidos - mais uma vez. Estou com a Sofia do lado, uma brasileira que eu tive o prazer de conhecer durante o Forum e que tem além de uma história de vida interessante, um coração de ouro. Entro no prédio onde me sinto em casa. Como que é possível eu me sentir em casa nesse cenário? Dentro de uma Missão Permanente de um país árabe… que me acolheu? E que ainda me acolhe?
Novamente: /como que eu cheguei aqui?
Participo de uma recepção (com álcool!!! - um choque pra mim) para jovens líderes com interesse na COP 28 que será realizada em Dubai no final do ano. A liderança jovem do COP fala como que podemos nos envolver mais e já conheci pessoas que moram em Dubai e que eu espero, de verdade, poder ter na minha vida. Pessoas que me inspiram e que transbordam uma energia de mudança, inspiradora e também… feliz?! Por um milagre, fiz amizade com um menino Emirati - que já fui tomar café junto hoje - e pude ri muito também.
Novamente, gratidão, gratidão, gratidão.
Na saída, vou com Sofia comer em um restaurante muito lindo ali perto com comida plant-based chamado La Botaniste, na terceira avenida. Dividimos um pouco mais das nossas cidades e sinto que fiz uma conexão verdadeira. Respiro aliviada. O Forum foi um desafio para alguém como eu, mas consegui sair da minha zona de conforto, conhecer pessoas e formar conexões.
Volto pra casa com muito frio, mas com uma sensação de dever cumprido. Vim sem ter a menor ideia do que aconteceria e como seria. Se eu tinha até espaço para realmente aproveitar essa oportunidade. Saio com a sensação de que Magic April nunca falhou e que eu toquei as vidas certas que eu deveria ter tocado, assim como fui muito tocada por tantas pessoas incríveis.
Viver essa vida que eu vivo é um privilégio. Sem tamanho. E eu sei disso. Mas, todos os dias, tento fazer algo importante com tudo que me é dado. Tento dividir minha visão, meu crescimento, meus erros & acertos e também minha jornada. Para fazer minha vida valer a pena, para tocar o máximo de vidas possíveis e para ser… feliz.
Durante o evento, Sofia me perguntou qual que era meu objetivo de vida. A Ana de uns 3 anos atrás falaria sobre planos grandiosos relacionados a minha carreira. Hoje, respondo: ser feliz, e ajudar outros a ser feliz no caminho também. E, quando estou muito ambiciosa, adiciono baixinho: e quem sabe deixar o mundo um pouquinho melhor porque eu estou nele.
Ainda não acredito que posso viajar o mundo, que tenho um projeto de mentoria com quase 300 mentorandos, que abri uma nova turma (a oitava!) - que já tem inscritos confirmados - e que posso ocupar esses espaços que uma vez já foram um sonho distante.
Ainda não posso acreditar que superei momentos difíceis da minha vida, de ataques de pânico e de relacionamentos abusivos…
e que sou feliz.
Apesar do frio em Nova York, da chuva do lado de fora, bebo um pouco mais do meu latte, me aconchego no meu moletom e sorrio.
Viver é bom demais.
Não desista de você. A vida pode ser extraordinária.
Como é gostoso ler isso amiga