Escrevo essa carta do café de sempre, enquanto o sol começa a se preparar para descer e trazer consigo, uma nova noite. Com escuridão, oportunidades e um novo ciclo. Talvez a carta de hoje não faça muito sentido - você foi avisado.
Uma dos conceitos favoritos na minha vida vem do livro Dune, de Frank Hebert - obra da qual se tornou um dos meus filmes favoritos também, do diretor Denis Villeneuve. A primeira vez que eu tive contato com esse livro foi em Shanghai. Lembro com uma riqueza de detalhes a livraria, e a cena de eu abrir o livro e ver um conjunto de frases escritas nas primeiras folhas. Lembro do tempo do lado de fora, das folhas nas árvores e lembro também como eu me sentia por dentro.
Em Dune, existe um conceito que é repetido diversas vezes na obra e diz:
I must not fear.
Fear is the mind-killer.
Fear is the little-death that brings total obliteration.
I will face my fear.
I will permit it to pass over me and through me.
And when it has gone past I will turn the inner eye to see its path.
Where the fear has gone there will be nothing.
Only I will remain.
A tradução seria a seguinte: “Eu não devo ter medo. Medo é o assassino da mente. Medo é a pequena morte que leva à aniquilação total. Eu enfrentarei meu medo. Permitirei que passe por cima e me atravesse. E, quando tiver passado, voltarei o olho interior para ver seu rastro. Onde o medo não estiver mais, nada haverá. Somente eu permanecerei."
Já passei um tempo considerável refletindo sobre o significado disso: Quando o medo não está mais, afinal, o que permanece? A reflexão sempre continua, mas hoje, talvez eu entenda o significado pra mim, e isso tem que bastar.
Por pequenas coincidências da vida, hoje me deparei com outras obras de outros autores. Por alguma razão, livros de ficção científica tendem a cair no meu colo. Ou melhor, eu sei a razão: eu os amo. E o que amamos, tende a nos encontrar.
Uma coleção de livros me chamou a atenção e apesar de ainda não ter decidido se vou as ler ou não, o seu nome me fez pensar. O primeiro livro se chama Rendezvous with Rama, ou Encontro com Rama. Comecei a ler a premissa da obra, mas passei o dia pensando sobre o significado profundo dessa palavra estranha: rendezvous.
Ao procurar a tradução da palavra, ela nos dá algumas pistas que pode ser mais do que apenas um encontro. É quase um segredo, mantido por duas partes para um encontro com um local e hora marcado.
E, por alguma razão, a ideia de “Rendezvous com Deus” me veio a cabeça.
Comecei a pensar quando foi a última vez que eu marquei um encontro com o sobrenatural, como invisível, com algo muito maior que eu mesma. Que eu separei um tempo na minha agenda e na minha vida, para fechar meus olhos e simplesmente tentar realizar esse encontro… dentro de mim.
Eu não tenho uma religião, mas me considero muito espiritualizada. Por muito tempo eu evitei usar a palavra Deus, porque muitos de nós (inclusive eu) começa a diretamente fazer uma conexão mental a um Deus de alguma religião. No nosso caso, provavelmente essa ideia de Deus como um homem de barba branca. Mas, quando falo de Deus, estou me referindo ao Todo, ao Universo. A essa força que conecta tudo e todos. Uma força que eu reconheço, sinto e que dá sentido a minha vida.
E aí lembrei da obra de Dune.
Quando retiramos todos nossos medos, cascas e superficialidade… o que sobra?
Novamente, talvez eu seja uma pessoa com mais perguntas do que respostas. Mas, quando eu tiro um tempo, para fechar meus olhos, silenciar minha mente, eu encontro algo.
Uma calmaria.
Sou eu. Mas, é também mais do que eu.
Quando todo o barulho para, mesmo que só por um momento, algo emerge. Algo que eu sei que pulsa o tempo inteiro, mas nem sempre é noticiada, percebida. Uma luz, talvez. Mas, também mais que isso. Uma esperança. Do que… talvez eu ainda não sei. Sabe, outra frase de Dune que mudou minha vida (e que talvez seja uma das minhas frases favoritas da vida) fala:
O mistério de vida não é um problema a ser resolvido. Mas, uma realidade a ser vivenciada.
Talvez a ideia de Rendezvous com Deus não seja apenas sobre se permitir parar para se conectar com algo. Talvez seja sobre parar, para poder perceber e vivenciar essa conexão.
Que nunca para.
Mas, que as vezes nos pega desprevenida e sussurra:
Ei,
você está ai?
Onde o medo não estiver mais, nada haverá. Somente eu permanecerei.