Escrevo essa carta de um dos cantos meus favoritos em Dubai, um lugar que eu não tenho dúvidas que em alguns anos vou voltar, olhar e lembrar de tudo que estou construindo nesse momento - e que bom.
A boa notícia de 2023 é que fui capaz de começar o ano escrevendo, e escrevendo muito. A notícia não tão boa é que se passaram algumas semanas sem minha presença aqui. A falta de constância me incomoda, mas ao mesmo tempo, existe algo um pouco cômico nisso. É aquela velha frase: man plans and god laughs.
A verdade é que a vida aconteceu, e aconteceu numa velocidade impressionante. Fevereiro passou como um borrão, onde me vi de frente com desafios pessoais e até do meu próprio corpo. Minha mãe me visitou por 3 semanas e eu não tive tempo hábil para sentar, respirar, tomar meu café e escrever. Esses dias tiveram um ritmo frenético, e parte de mim ficava um pouco nervosa por não estar conseguindo produzir da maneira que eu gosto, enquanto a outra parte de mim respirava fundo e agradecia.
Com minha idade, meu país de residência e minha vida, é um verdadeiro privilégio poder passar tanto tempo com minha família. Sabe, chega um momento na nossa vida que realmente entendemos a preciosidade desses momentos e preciosidade do tempo.
É impensável um mundo que minha família não faça parte dele. O amor que eu sinto no meu peito não tem fim - não tem como. Sinto vontade de chorar ao pensar no privilégio que é poder sentir isso, e construir memórias com pessoas assim.
Como é bom viver.
A única certeza é que um dia esses momentos terão seu fim. De um jeito, ou de outro. Isso é viver. Essa é a vida. E apesar de doloroso, isso também é belo.
Consegui conhecer tantos lugares legais, revisitei outros que eu amo e pude voltar para um porto seguro em Abu Dhabi, um lugar que eu ainda não me acostumei de conhecer bem e de poder dizer que eu já fui, voltei e voltei mais duas vezes.
Como que um palácio no Oriente Médio está se tornando uma tradição com minha mãe? Nosso momento de conexão juntas? Um local que ao voltar no futuro poderei relembrar tantas memórias lindas?
Numa praia paradisíaca, com um palácio das arábias ao fundo (literalmente) enquanto eu via a água cristalina na minha frente eu não pude evitar de meditar sobre minha vida com minha mãe.
Afinal, como chegamos até aqui?
As memórias de um passado duro, escasso e difícil ainda permanecem em nós. Não com medo, dor, mas como um lembrete de um dos possíveis sabores da vida - um do qual, liberamos e não permitimos mais fazer parte de nossa vida.
Pude voltar para o Louvre em Abu Dhabi onde vi um Leonardo Da Vinci de perto. Estava numa sala vendo algumas obras quando percebi que a obra dele estava do outro lado do mesmo espaço. Eu realmente dei um pequeno grito. Um dia preciso escrever sobre o que eu sinto ao ver uma obra dele. Algo profundo, assustador e marcante.
Como que a arte hoje tem espaço na minha vida?
Talvez devesse usar as cartas para outros assuntos, além de frequentemente meditar e ponderar sobre minha vida, em como vivo resultados um dia inimagináveis, mas não consigo evitar voltar para esse assunto, essa ideia.
A transição da minha vida em Porto Alegre, vivendo em um apartamento pequeno, cheia de sonhos e sem nem um passaporte, para a Ana que hoje vive sozinha, morando de frente para o prédio mais alto do mundo no Oriente médio foi uma transição lenta. Não foi do dia para a noite. Foram anos, diferentes passos que talvez naquele momento não fizeram tanto sentido, mas que hoje consigo os conectar com uma clareza cristalina. Mas, ainda, me espanto a olhar ao redor e me ver num local com tantas culturas, sabores e cores.
Como é mesmo que eu vim parar aqui? Como isso foi possível?
Na última semana também tive a oportunidade de ir num jantar de gala no hotel Armani daqui, como convidada de uma amiga. Ver ela sendo convidada para ser falar em um painel numa convenção de mulheres me deixa tão orgulhosa. Lembro vividamente de nossos jantares há 2/3 anos, onde dividíamos nossos sonhos e vontades e hoje estamos aqui. Poder aplaudir ela e comemorar seu sucesso me inspira. Mesmo.
Além disso, tive a oportunidade de sair da minha zona de conforto e usar um batom vermelho. Eu sei, eu sei, para algumas pessoas isso pode parecer trivial. Mas eu nunca fui de fazer grandes maquiagens, e sendo sincera, só tinha usado batom vermelho uma vez na vida - e tinha me sentido feia. Poder tentar de novo, e me senti bonita foi uma revolução. Numa mesma noite pude riscar dois desejos da minha lista 101 em 1001.
Tudo isso me leva a meditar sobre a responsabilidade de continuar.
Não importa se não escrevi por semanas, não importa se por algum tempo da minha vida as coisas aconteceram fora do meu controle. O que importa é o que eu faço com isso. De encontrar a energia de fazer de novo. E de novo.
Quantas vezes forem necessárias.
Tenho orgulho de muitas coisas na minha vida, mas principalmente o fato de eu nunca ter desistido de meus sonhos - que muitas vezes nem eram tão claros para mim. Talvez eu não soubesse exatamente o que eu queria em termos de posição e até resultado, mas eu sempre soube o que eu não queria para mim - aceitar estar em espaços pequenos demais para mim, monotonia e zona de conforto.
Eu sempre quis ver o mundo, eu sempre quis ser livre, eu sempre quis mudança.
A busca incansável disso me levou a diferentes países, diferentes situações e que, anos após ano, começaram a me posicionar para estar aqui. Não só fisicamente, mas espiritualmente. Em como eu me sinto sob a minha pele. Como eu me sinto em viver essa vida.
Março já chegou e, novamente, tenho mais perguntas que respostas.
Por agora, aceito com gratidão a vida como ela é.
Fora do meu controle, mas sem sobra de dúvida, sempre trabalhando ao meu favor. Se teve uma época que eu nem conseguia imaginar a vida que eu tenho hoje, sei que também ainda não consigo imaginar o que virá a seguir.
Seja como for, eu aceito.
Eu recebo de braços abertos.
Man plans,
god laughs.
Inspiração como sempre. Que bom que voltou <3