Hoje, escrevo essa carta para contar uma história que aconteceu antes dessa newsletter existir, no final de 2021, no México.
Essa semana tive uma call com minha amiga e mentoria, a Larissa Mansur onde falamos sobre a memória que vou dividir aqui. Já contei várias vezes no meu Instagram como que nos conhecemos e como que ela se tornou minha mentora.
A verdade é que nos conhecemos há mais de uma década. A Lari também estudou Relações Internacionais na ESPM, em Porto Alegre, mas ela havia entrado um ano antes de mim. Eu a via nos corredores da faculdade e depois na AIESEC, quando ambas voluntariamos na instituição. Eu fiquei na AIESEC por 2 anos, apesar de nunca ter assumido um cargo de presidência (por muitos motivos). Já a Lari rapidamente se tornou vice-presidente, onde acabamos indo a vários eventos juntas da instituição - mas não se engane, não éramos amigas e nem próximas. Conhecidas, no máximo.
Na época, eu sabia que não queria seguir na AIESEC, e foquei em outras oportunidades, como meus intercâmbios de trabalho e estudo, enquanto a Lari começou a construir uma carreira lá. De vice-presidente da AIESEC em Porto Alegre, Lari se tornou vice-presidente da AIESEC Brasil, e depois da AIESEC na Alemanha, até que ela se tornou vice-presidente da organização mundial - algo que, por sinal, pouquíssimos brasileiros já conseguiram até hoje. Existe a piada interna que ela foi a pessoa que chegou mais próximo de Deus, já que ser vice-presidente de uma organização mundial com menos de 25 anos é um feito… e tanto.
Eu a acompanhava pelas redes sociais, e de vez em nunca trocávamos algum tipo de mensagem. Eu segui meu caminho pela Ásia, enquanto acompanhava as inúmeras viagens e aventuras da Lari - que hoje, com menos de 30 anos, já conhece mais de 70 (SETENTA) países e até já morou em um templo budista.
No final de 2020, mandei uma mensagem perguntando se ela poderia participar de uma live no meu Instagram, fazendo parte da série de entrevistas com internacionalistas que eu estava fazendo.
Aliás, fica o convite pra você vê a live dela aqui.
Se eu disser que depois disso a gente manteve contato, eu estaria mentindo. Já contei inúmeras vezes também o quanto que o final de 2020 e começo de 2021 foram desafiadores pra mim. Mas, apesar dos desafios, eu lancei minha mentoria em março de 2021, com a certeza que isso era algo que eu queria e precisava fazer.
Mas, quando decidi lançar a mentoria 2, entendi algo importante: eu precisava de uma mentora também. Afinal, como posso falar para as pessoas da importância de ter um mentor, se eu mesmo não vivesse isso?!
Não sei bem explicar o que aconteceu, mas um dia eu simplesmente acordei com uma INTUIÇÃO FORTE de que a Lari especificamente que deveria ser minha mentora. Então, eu fiz o que precisava ser feito: mandei uma mensagem, falando que tinha uma intuição e pedindo para ela ser minha mentora. Simples assim. O mais louco foi que naquele mesmo dia alguém comentou na live (que havia sido feita há mais de 6 meses) do quanto nós duas combinávamos.
Era um sinal.
Ela aceitou, e bom… o resto virou história. Desde então, temos encontros fixos, que começaram com discussões sobre minha carreira e minha expansão pessoal, e que hoje se tornaram um espaço de troca mútua que me faz muito feliz. É pouco eu dizer que a Lari mudou minha vida. Não só com os nossos encontros, mas em como a vida funcionou e acabou por unindo nossos caminhos da forma mais intrigante possível.
Em novembro de 2021, exatos um ano atrás, eu estava em Lisboa e minha irmã iria para Barcelona e ela me convidou para ir visitá-la. Acredita que eu fui, mas ela teve um problema no trabalho e acabou não indo?! Me vi sozinha em Barcelona… mas, Lari estava lá!
O nosso primeiro encontro ao vivo em anos foi num restaurante vegano, onde depois de dividir uma garrafa de vinho (ambas não bebemos com frequência), eu saí de lá com um convite para encontrá-la no México em cerca de 3 semanas.
Eu aceitei.
Já falei pra Lari, mas meu processo de cura aconteceu de verdade no México, onde me vi não só cercada da Lari, mas de vários de seus outros amigos pessoais - todos incríveis e extremamente fora da curva. Me vi cercada de várias pessoas com menos de 30 anos que conheciam mais de 50 países, que já tinham sido líderes globais da AIESEC e que eram pessoas extremamente alinhadas com muito do que eu acredito.
Ao total, fiquei quase 2 meses entre as duas costas do México e a Cidade do México. E, nesse tempo, vivi histórias inacreditáveis que vou levar comigo, desde participar de uma Posadas com uma família mexicana, até pagarmos para levarmos choques elétricos dentro de uma tenda de Tequila, cercada de Mariachis (você leu isso certo).
Mas, logo depois que cheguei, depois de alguns dias em Playa del Carmen, recebi um convite que realmente foi um ponto crucial na minha vida: ir em um Temazcal.
Sendo sincera, eu nunca tinha ouvido falar de Temazcal na minha vida, e até achei que poderia ser alguma droga alucinógena.
Nada disso.
Temazcal é uma tenda do suor, um lugar onde as pessoas fazem uma espécie de "sauna” acompanhada com um ritual da região, com um líder cantam músicas específicas sobre a natureza e também tocam instrumentos musicais.
Mas, diferentemente de uma sauna normal, o Temazcal é feito no meio da natureza, dentro de “iglus de pedra/barro” construídos especialmente para isso. Com apenas uma pequena entrada - que é tapada -, o local fica fechado, e dentro são colocados pedras extremamente quentes e conforme o líder vai fazendo o ritual, ele vai adicionando água nas pedras, o que cria muito vapor quente da água.
Muito vapor mesmo.
Lembro de ter ficado um pouco aterrorizada, já que no caminho até la (mais de 1h de carro), um americano que estava no carro conosco ficou falando da sua última experiência em um Temazcal, o quanto era quente e o quanto era comum pessoas passarem mal lá dentro.
Já comecei a me preparar para o pior - ou no mínimo, para uma experiência extremamente desconfortável.
Lembro claramente de prestar muita atenção nas instruções iniciais e de planejar uma possível rota de fuga, caso passasse mal. A verdade é que eu estava lá porque era uma experiência nova, uma oportunidade de sair da minha bolha, e porque a Lari estava lá, e não porque eu estava animada de verdade para isso.
Foi uma escolha consciente de sair da minha zona de conforto. E eu estava aterrorizada. Só queria que acabasse rápido.
Durante as instruções, os dois líderes (um casal mais velho mexicano), nos explicaram que o ritual seria dividido em quatro partes - uma para cada elemento da natureza - e que cada uma duraria cerca de 25 minutos. Nesse meio tempo, a porta seria aberta e novas pedras quentes entrariam, o que deixaria a última parte a mais quente de todos, com todas as pedras dentro.
Enquanto ele falava essas coisas, eu já estava tentando controlar o meu corpo para suportar todo o calor sem “passar vergonha”. Eu não queria desistir, e só pensava nisso. Lembro que não pensava em aproveitar a experiência, pensava apenas em “sobreviver" até o final.
Entre as muitas informações, eles comentaram como que o calor do vapor seria desconfortável, mas que era uma experiência e, principalmente, um convite. Eles falaram o quanto que a maioria de nós foge do amor, o amor verdadeiro, pela forte crença que não merecemos e que não somos bons o suficiente para sermos aceitos e amados por quem somos. E que o Temazcal era uma oportunidade de receber esse amor… que viria da Terra, da natureza, que nos aceita exatamente como somos.
Eles pediram para que víssemos o calor como esse amor, que num primeiro momento, íamos querer fugir, mas que poderíamos em algum momento simplesmente nos render a ele.
Aceitar.
Deixar entrar.
Entramos no iglu, e já senti meu biquini grudando em mim por causa do suor - que naquele momento, era de nervosismo. Quando a porta foi fechada e o escuro absoluto tomou conta, eu fechei meus óculos e só repetia para mim mesma: "Respira, Ana".
O barulho da água batendo nas pedras quentes e criando um vapor - que queimava meu rosto - era assustador. Tentei prestar atenção nas belíssimas canções que os líderes cantavam, e que eles pediam que repetíssemos também. Eram canções em espanhol sobre pássaros, animais e a natureza.
Depois de alguns minutos, eu fiz o que ele sugeriram se o calor ficasse muito insuportável: eu deitei no chão. O ar frio desce, e perto do chão, eu conseguia respirar uma espécie de vento mais gelado. Lembro também, que fiquei numa semi posição fetal, com as mãos no meu rosto, protegendo minhas bochechas do calor que parecia estar queimando elas.
A verdade era que eu estava desconfortável e que estava sendo uma experiência dolorosa. Eu só repetia pra mim mesma: “Respira, Ana". Eu só queria sobreviver e não passar vergonha. Estava usando cada célula do meu corpo para tentar controlar o meu corpo.
Quando a porta foi aberta, e eu vi a luz entrando - que significava que a primeira parte tinha sido concluída - eu vi uma cena que eu nunca vou esquecer e que, honestamente, mudou a minha vida.
Eu vi a Lari e o Neil (amigo dela que estava com a gente) de joelhos, com o rosto quase tocando o teto do iglu - o local mais quente - e de braços meio abertos, completamente imersos naquela experiência.
Eu senti tanta vergonha.
Eu estava em posição fetal, cobrindo meu rosto, escondida em um canto.
E aí eu percebi: eu era assim na vida.
Por mais que eu já tivesse tido muitas experiências e relacionamentos, eu ainda não sabia o que era abrir meus braços para aceitar a vida e o amor de maneira plena, completa.
Eu ainda não havia me aceitado. Dessa mesma maneira, plena e completa.
E naquele momento, eu tomei uma decisão.
Assim que a porta se fechou, eu fiquei de joelhos, e por mais que eu sentisse que o calor estivesse queimando meu rosto, eu não me escondi, por mais que esse fosse o o meu impulso inicial.
Eu aceitei a dor.
E doeu muito no começo.
Mas, eu sentia que não era uma dor física. Era a dor de aceitar receber algo que eu nunca havia recebido daquela maneira. Era a dor de me manter firme, forte, em cima de mim mesma, sem mais desculpas, sem mais me esconder e me diminuir.
E conforme eu ia sentindo o calor penetrando na minha pele e o suor (muito suor) caindo pelo meu corpo, eu também senti lágrimas no meu rosto - que ao mesmo tempo davam um alívio ao calor nas minhas bochechas, também ofereciam um alívio interno.
Eu estava deixando sair.
Toda a vergonha, todo o medo, tudo.
Eu nunca me senti tão poderosa na minha vida.
Eu tinha domínio pelo o meu corpo. A minha força de vontade me deixava ereta, plena. E aí eu entendi: é assim que eu deveria viver a vida. Certa de mim. Confiante. Sabendo receber. Ereta. Sob as minhas próprias pernas.
Percebi o quanto que, internamente, eu já havia vivido uma vida rasteira. E ali, fiz uma promessa interna, que eu nunca mais seria assim.
Ao porta se abrir novamente, Neil, caiu no chão, quase que de exaustão. O Temazcal é muito desafiador pro nosso corpo. E ali, a Lari pegou na mão dele. E na hora, senti um impulso forte, e peguei na mão dela. Parece bobo tentar descrever o que aconteceu, mas falando com a Lari sobre isso, ela se lembra bem também. Quando nós três estávamos de mãos dadas, uma corrente forte percorreu nossos corpos. E na hora eu sabia o que era: era amor.
A experiência foi uma grande metáfora da vida. Quando ele caiu, nós estávamos lá para segurá-lo e apoiá-lo. E é assim que a vida tem que ser. Ele se entregou ao completo, e estava amparado. E assim que é. Quando nos cercamos das pessoas certas na nossa experiência.
A verdade é que as outras partes foram incríveis, e eu fiquei de joelhos, de braços abertos até o final. Eu nem queria que acabasse mais. Foi uma das melhores experiências da minha vida. Eu não tenho ideia do quanto que eu perdi de suor, mas eu com certeza deixei muitas toxinas internas lá, porque quando eu sai, eu me senti limpa, por dentro e por fora.
Por sorte, do lado de fora do iglu, tinha uma espécie de piscina natural e ao entrarmos na água geladíssima tivemos um grande choque térmico, que foi muito bem-vindo.
Suar daquela maneira, meio “selvagem", no meio da mata em um iglu no México, me deu a sensação de que meu corpo tinha sido feito para isso - que na verdade isso que era o natural, o normal.
Em seguida, fomos agraciados com um banquete de frutas naturais e nos acabamos na melancia.
Eu me senti forte, abastecida, em sintonia.
Sendo sincera, eu só percebi o impacto dessa experiência um tempo depois, em momentos em que minha postura foi testada, e eu percebi que não consigo mais me esconder, me diminuir, que era impuro depois da experiência que eu tive ao sentir tudo que eu senti de joelhos, com minha cabeça quase tocando o teto, enquanto eu sentia um calor abismal em mim.
Hoje, entendo a importância de vivermos a vida com coragem, com força.
É isso.
Viver com força.
Ela existe dentro de nós, e ela é alimentada por forças muito poderosas, quando deixamos, quando paramos de nos esconder da vida.
Quando permiti passar por um dos maiores desconfortos físicos, encontrei essa força adormecida, depois de anos focando apenas no conforto, tanto externo quanto interno. Me peguei pensando o porquê de sentir medo, quando há essa força abismal dentro de nós.
E no meio da mata entre Yucatan e Quintana Roo, no México, dentro de um iglu tomado pelo vapor quente, encontrei algo que nem sabia que tinha dentro de mim.
Algo que me acompanha desde então.
Uma coragem, uma força mais selvagem,
que todos temos dentro de nós.
Espero que um dia,
você encontre ela também.
Muito inspirador Ana ... Gratidão ❤️