Escrevo essa carta de um avião, rumo aos Estados Unidos, onde vou passar os próximos 10 dias.
Há alguns anos comecei a me interessar na história de pessoas que tiveram sucesso e que realizaram seus sonhos autênticos - seja lá eles quais forem. Com o tempo, comecei a estudar sobre empreendedorismo e o que de fato levou pessoas comuns a criarem empresas do zero que mudaram a vida de milhões de pessoas ao redor do mundo.
Eu sou filha de funcionários públicos e não possuo uma única pessoa na minha família inteira que é dona de um negócio. Também, dos meus amigos, o exemplo mais próximo foi o de um pai que é dentista autônomo. Nesse caso, conseguia entender com uma certa facilidade o processo da construção da sua vida: fazer faculdade de odontologia, se tornar dentista, abrir seu consultório, atrair diferentes clientes (seja no particular ou no plano de saúde) e trabalhar assim. Mas, quando pensava em pessoas que são donos de um negócio e que possuem funcionários, o funcionamento da vida de alguém assim era como o clássico do Zeca Pagodinho, só que modificado: nunca vi, nem comi, só ouço falar mal.
Eu nunca tive exemplos próximos e a simples ideia de empreender era algo muito distante pra mim. Tão distante que nunca sequer tinha passado na minha cabeça a ideia não criar uma jornada profissional em que eu não fosse uma assalariada, empregada em uma empresa. Afinal, até os meus 27 anos esse foi o grande propósito da minha vida e o grande combustível das minhas escolhas: rechear meu currículo o máximo possível para garantir uma boa colocação no mercado.
Conversando com minha mãe, cheguei a conclusão que eu empreendo desde muito nova. Sempre tive um perfil de liderança no colégio, sendo líder no Grêmio estudantil e no projeto de mini empresa. Depois, isso se expandiu para projetos pessoais, criando um blog em 2014 pra contar das minhas viagens. Sem falar no YouTube e até nas redes sociais. Mas, eu nunca vi isso como empreendimentos que poderiam me gerar renda.
Engraçado pensar que durante a faculdade eu criei um site de entretenimento com um amigo que chegou a ter mais de 100 mil acessos. Morando em Porto Alegre, eu pude ir em shows internacionais na cidade de graça, como jornalista do meu próprio veículo. Cobri shows desde o Evanescence, até Jonas Brothers e Elton John. E quer saber o mais louco? Eu nunca recebi um centavo por isso.
Hoje eu consigo rir, mas lembro nitidamente da frustração do meu amigo co-fundador que queria fazer dinheiro e monetizar nosso site, e a minha recusa. Fica claro o meu bloqueio e minha mentalidade limitada da época. A ideia de fazer dinheiro de uma maneira que não fosse trabalhando pra alguém em um escritório das 9 as 5 simplesmente não fazia parte do meu vocabulário de vida. Meu próprio YouTube eu só fui considerar monetizar tempos depois! Simplesmente não tinha passado pela minha cabeça a remota possibilidade de ser paga por algo que eu fiz e gerei sozinha. As coisas não funcionavam assim no meu mundo.
Eu não conseguia controlar meus impulsos de ter meus projetos e fazer coisas diferentes, assim como não conseguia controlar minhas crenças financeiras de não merecimento. Isso me levou a anos de trabalho “voluntário” e a discursos sobre como estava tudo bem eu não ser paga pelas minhas paixões.
Como eu era tola.
Mas, não conseguimos evitar querer ser tudo que podemos ser.
A mudança de mentalidade para hoje, onde eu sou uma empreendedora foi algo abismal. Algo doloroso, lento e que no meu caso, não foi natural. Ao analisar a história de outros empreendedores, percebo que para outras pessoas com um perfil similar ao meu (não vindo de famílias empresárias) o processo também não foi natural.
Elas não acordaram um dia e abriram os olhos com crenças fortalecedoras que as permitiram avançar em direção dos seus sonhos e projetos pessoais. Em direção ao empreendedorismo. Todas passaram por um profundo processo de plantio, mudança e crescimento. Todas tinham um propósito claro, uma estrela norte que as guiava. E o mais importante: todas gostavam de aprovação externa, mas não necessitavam dela.
Quanto mais eu penso e medito sobre o assunto, mais eu chego a conclusão que essa é uma das principais causa da paralisia das pessoas em direção aos seus sonhos. O temido mostro do: o que os outros vão pensar de mim?
Não acredito necessariamente que todos nascemos com essa inclinação ao empreendedorismo, mas também vejo claramente muitos amigos, conhecidos e mentorandos que querem empreender, mas não saem do lugar. Que tem ideias maravilhosas mas que não fazem muito a respeito. Eu mesma falei do meu primeiro projeto pessoal (minha mentoria) por mais de 2 anos, antes de fato realizar algo.
Era um sonho, uma coceira interna, uma inquietação, que, por sorte, eu não consegui ignorar - e olha que eu tentei. Mas, essa vontade era mais forte que tudo. Realmente, não conseguimos evitar querer ser tudo que podemos ser. Eu precisava realizar esse projeto.
E então, 2 anos depois, aqui estou. Ainda no começo, mas já com muita coisa realizada.
Mas, a jornada não foi fácil.
Com 27 estava em Dubai, trabalhando para o governo de Dubai e meus sonhos haviam se tornado realidade. Os 2 mestrados internacionais estavam sendo utilizados e eu estava no topo do mundo para alguém da minha idade. Tinha visto de trabalhos dos Emirados Árabes, tinha um emprego excelente com patronagem de um Sheikh e desfilava de salto alto pelo centro financeiro de Dubai. Melhor que aquilo não ficava.
E apesar de ter sido feliz, aquilo tudo não era suficiente.
E sabe porque?
Qualquer coisa além do que é sucesso autêntico nunca vai ser suficiente.
Por um tempo o que a sociedade nos conta que é o ideal nos sustenta, mas em algum momento a coceira começa e pensamentos divergentes entram.
É inevitável começarmos a querer ser tudo que podemos ser, e não só o que achamos que é o esperado de nós.
Quando eu falo que o sucesso não é algo natural, eu falo sobre como fazer o que precisa ser feito não é fácil. É incômodo. Uma passagem só de ida para fora da nossa zona de conforto.
Para muitos de nós, existe uma barreira invisível que nos impede de seguir adiante, em direção aos nosso sonhos autênticos. Em fazer algo a respeito desse incômodo interno que muitas vezes queremos silenciar, já que ele não faz sentido dentro do que é esperado de nós.
E vencer essa barreira não é natural.
Requer mais de nós.
Requer um preço que são poucos que estão dispostos a pagar. O preço do possível fracasso, o preço do crescimento, o preço da disciplina. E o maior preço de todos: de acreditar em si, o tempo todo, para sempre. Não importando o mundo externo, ou o que possam pensar de nós.
O preço de não desistir de nós mesmos.
Transformar meu sonho de ter uma mentoria foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz. Além de ter que mudar internamente para ser capaz de fazer isso, capaz de ter um projeto e cobrar por ele, precisei ir contra a expectativa do que era esperado de mim. Precisei, em algum momento, abrir mão da aprovação externa e simplesmente fazer o que eu queria.
Já tendo mentorado quase 200 jovens estudantes e profissionais, descobri algo que me deixou em choque: a maioria das pessoas que sonha com uma bolsa de estudos nem aplica. Na tentativa de controlar suas frustração, poucos que são os rejeitados. Raros são os que aplicam quantas vezes forem necessárias. Diferenciados são os que conseguem de primeira.
Essa constatação me levou a tentar entender o porquê disso. E a entender o porquê de eu ter aplicado 3x para um mestrado que eu nunca consegui, aplicado 2x até conseguir ter meu trabalho em Dubai e o de sempre ter carregado uma frase comigo: o não eu já tenho.
De onde vem essa mentalidade? De onde vem essa “coragem”?
Talvez ainda não tenha a resposta correta e definitiva dessa pergunta, mas tenho uma hipótese: assim como muitos empreendedores que fizeram algo a respeito de seus sonhos, eu também adoro aprovação externa, mas não preciso dela.
Ou melhor, eu não deixo a dependência disso me paralisar. Afinal, se eu me deixasse ir me paralisar, essa newsletter provavelmente nem existiria. Por algum motivo, desde muito nova fui capaz de fazer coisas diferentes das pessoas. De ser um pouco mais independente.
Uma história boa que ilustra isso é o fato de eu na quarta série, numa época de internet discada (quem sabe do que eu tô falando?!) usar o site do Cartoon Network para jogar. E num belo dia me inscrever num concurso das Meninas Super Poderosas, o filme, para ir assistir a pré estreia no Rio de Janeiro com tudo pago. Minha mãe, ao receber uma ligação de Atlanta falando que eu tinha ganho um concurso desligou achando que era trote. Afinal, como uma criança na quarta série seria capaz de conseguir algo assim?
Pois bem, no meio de quase 2 milhões de inscrições, eu foi selecionada. Não era trote. E sim, eu fui pro Rio. Na época fizeram um mini Reality show comigo que foi transmitido no canal. E sim, ainda bem que a internet e redes sociais não existiam é esse material só existe hoje no formato de uma fita VHS.
Essa experiência marcou profundamente minha infância e hoje vejo que foi o início da minha capacidade de agir e fazer coisas por mim. Até mesmo concorrer ao Grêmio estudantil era uma exposição que muitos fugiriam, mas que era tranquilo pra mim.
A época da faculdade não foi muito diferente. Em 2013, quando decidi ir para a China, muitos ficaram sem entender o porque da minha escolha considerada exótica. Em 2013 ainda não se via a China como futura potência e ouvi de uma aluna de RI: “ir para China porque? Pra pegar doença?”
Realmente não há limites para a estupidez e o julgamento externo.
Mesma coisa quando fui para a Coréia do Sul em 2014, numa época em que as pessoas não sabiam o que era Kpop e a Coréia não era um destino popular. Acredite ou não, ouvi mais de uma vez piadas se estava indo para a Coréia do Norte.
Enquanto todos focavam em ir para destinos clássicos europeus, eu queria o diferente, o único. Minha escolha de fazer intercâmbio de trabalho na Disney também não foi recepcionada por colegas da melhor maneira. Eles não conseguiam ver os benefícios de ir e trabalhar em uma das maiores empresas de entretenimento do mundo. Ouvia: “o que isso tem a ver com Relações Internacionais?!”
Estavam presos a uma caixinha que eu recusava deixar me limitar. Ou, talvez apenas tivessem mais dinheiro e simplesmente podiam ir pra Disney a passeio a qualquer momento e não “precisavam” trabalhar lá. Essa não era a minha realidade. E pensar que eu fiz meu primeiro passaporte para isso.
Por mais que ser diferente e fazer coisas diferentes não fosse doloroso naquela época, com o tempo, a conta chega. Uma coisa é ser capaz de ir estudar em lugares não comuns. Outra coisa é tomar decisões para sua carreira como uma adulta que não atendem as expectativas que pessoas começam a ter de você.
Mas, não conseguimos evitar querer ser tudo que podemos ser.
Por muito tempo, contribui da melhor maneira possível no YouTube e no meu antigo blog contando a minha jornada. Eu não me arrependo de nada, mas eu falava da minha versão que ainda estava preocupada em preencher o currículo para garantir a melhor colocação possível. Hoje, eu sinto dificuldade de falar sobre meu lado empreendedora. Ainda mais em um ambiente hostil como a internet, onde se você não cumprir as expectativas, você é vista ou como um fracasso, ou como uma impostora.
Ao mesmo tempo que eu quero continuar dividindo e contribuindo, eu preciso proteger o meu sonho. Só eu sei as mensagens hostis que infelizmente recebo e a força necessária de continuar fazendo.
Minha maior inspiração de carreira já foi Sérgio Vieira de Mello, brasileiro que trabalhou com refugiados na ONU. Esse era o sonho. Sérgio tem um grande impacto em minha vida e é um exemplo de vida. Algo nele sempre me fascinou e até hoje impacta minha vida. Mas, atualmente o meu maior exemplo de carreira é Sara Blakely, uma empreendedora estado-unidense.
Eu perco o sono a noite pensando em projetos com tecnologias do futuro e como utilizar isso para o bem da humanidade e mitigando as mudanças climáticas. É óbvio que meu sonho autêntico é empreender - é isso que me faz feliz. E esse sonho está crescendo e tomando proporções internacionais (que ainda esse ano devo ter mais notícias para contar).
Mas a verdade também é: esse sonho me assusta.
Ao analisar esses dois perfis tão diferentes, percebo algo importante: seus respectivos sucessos não foram normais. Foram resultado de um plantio específico, que ia contra a maré. Para Sérgio, a profissão era um pouco mais mais palpável por causa de seu pai diplomada, que de certa maneira facilitou o começo, mas ainda assim, chegar até onde ele chegou e causar o impacto que ele causou foi o resultado de uma conduta pessoal única, insubstituível. Sergio ia contra todos os padrões de comportamento considerados normais, e foi, inclusive, considerado controverso. Sara, falhou muito até seus 30 anos e decidiu que iria inventar um produto que mudaria sua vida. Pois bem, ela inventou a Spanx e mudou o mercado de varejo feminino, se tornando um fenômeno. Ela quis ser advogada e não conseguiu e até chegou a fazer stand up querendo ser uma comediante.
Perfis tão distintos, mas que me fascinam tanto.
Porque algumas pessoas conseguem viver seus sonhos autênticos? Aqueles sonhos fora da caixa? Porque a grande maioria não faz algo a respeito e acaba por transformar seus sonhos em grandes memórias do que não foi vivido? Em um gosto amargo conforme os anos vão passando?
Porque o caminho natural (ou melhor, o caminho do menor esforço) se transforma em comodismo?
Uma das poucas certezas que tenho é de que definitivamente tenho mais perguntas que respostas. Mas, ao analisar a história de tantas pessoas que me inspiram e ao analisar a minha própria história de conquista de sonhos, vejo uma linha em comum: gostar da aprovação alheia, mas não precisar dela para agir. Ser capaz de fazer mesmo quando isso vai contra o que é esperado (consciente ou inconscientemente) de nós. Mesmo isso sendo muito doloroso e incômodo.
E talvez aí esteja uma chave importante para levarmos conosco.
Será que essa parede invisível interna que você tem dentro de você, que te limita, não é o medo do que as pessoas possam pensar? O medo do fracasso? A voz interna que diz: “e se der errado? A sociedade vai ver que eu não sou boa o suficiente - que eu não consigo. Que eu sou uma farsa.”
E quem sabe esse medo, essa conversa interna, seja justamente o que está te prendendo. O que está te levando a viver uma vida aquém, rasteira, beirando o medíocre - na média. Está te levando a sentir que a mudança terá que ocorrer, mais cedo ou mais tarde.
Não conseguimos evitar querer ser tudo que podemos ser.
E se hoje, apenas hoje, você se transformasse no centro do seu mundo e desse um passo autêntico na direção do que você quer?
Na direção do seu pequeno incômodo interno?
Na direção do que te dá medo?
Hoje, eu te pergunto:
Será que a pessoa que vive a vida dos seus sonhos autênticos se preocupa com o que outros pensam dela?
As palavras dessa carta estão sendo tão especiais. Uma reflexão tão necessária e acolhedora. Como sempre inspiradora!!
Gratidão Ana ♡
Uau Ana!!! Realmente precisava ler isso hoje, muito obrigada e boa viagem 💕