006 | De volta aos Emirados, palácios, minha genética e merecimento
04 Maio, Abu Dhabi 2022
Antes de mais nada, preciso confessar que tem sido difícil manter o timing com as cartas e minha vida. Tenho algumas cartas já escritas sobre Seoul e não finalizadas, mas que virão em seguida. Parte de mim fica extremamente frustrada por não ter conseguido postar enquanto estava vivendo tudo isso, mas a outra parte tenta ser gentil comigo e lembrar da exaustão ao final de cada dia, e que eu aproveitei muito Seoul com minha mãe… e que no fim, isso importa mais.
Fazem já dois dias que eu cheguei em Abu Dhabi, e eu escrevo essa carta sentada na mesa dentro do meu quarto de hotel aqui. Foi a primeira vez que minha mãe viajou de Etihad (que voa para Abu Dhabi e é a companhia aérea desse emirado) e foi a primeira vez que viemos direto para cá - já que normalmente voamos para Dubai e então viajamos de carro para Abu Dhabi.
Há tantas coisas das quais eu gostaria de dividir sobre esse momento exato que eu estou vivendo. Estar aqui, nesse hotel, é uma mistura de sonho mas também com familiaridade. Parte de mim ainda fica impressionada de eu não só poder me hospedar aqui, mas de essa não ser a primeira vez. Estou cercada de um nível de luxo que eu só encontro aqui, e uma das frases que eu mais gosto do Naval fica martelando na minha cabeça: “Doesn't matter how high your bar is, raise it". Algo como “não importa o quão alto é o seu sarrafo, aumente ele”.
Essa frase está sempre voltando para mim, me incentivando a não ficar na zona de conforto, mas também a continuar crescendo em todos os setores da minha vida - principalmente o financeiro também. Afinal, limite é uma ilusão.
Ontem, o Leo (um amigo que estuda na NYU University aqui de Abu Dhabi com bolsa completa) veio me visitar e ficamos falando sobre nossas crenças internas e dinheiro. E também sobre culpa. De crescer, de abrir mão dessa ideia tão enraizada na nossa cultura brasileira que temos que sofrer e que ter sucesso e estar bem é, de alguma maneira, errada - ou, no mínimo, de que estamos fazendo algo dúbio. Estar aqui é algo incrível, que estou aproveitando cada momento, mas é também o confronto direto com algumas crenças tão profundas que ainda estão dentro de mim. O confronto, inclusive, de que se eu não estou sofrendo (ou struggling), então estou fazendo algo errado.
Me sentir merecedora de estar aqui e sentir paz com isso ainda é um desafio para mim, por mais que eu tente negar.
Estar num palácio, rodeada de tanta pomposidade é também um choque - do que a vida pode ser, mas que não é, pelo menos para uma gigantesca parcela da população. Mas, como sempre, agradeço por estar aqui e poder ver com meus próprios olhos tudo isso: a praia com areia branca, o mar azul transparente e ao fundo um palácio real que parece saído direto do filme Aladdin. Ver pessoas vestindo trajes diferentes e conversar com um beduíno (que fica aqui no hotel cuidando dos camelos!) é um lembrete diário de que muitas - muitas - pessoas vivem vidas completamente diferentes das nossas e completamente diferente do que vimos nas redes sociais. Pessoas que vivem uma vida ao redor de sua fé, seus costumes e suas crenças. E quanto mais eu penso sobre isso, mas eu vejo similaridades entre nós. Só precisamos ir além das roupas e acessórios para entender que no fundo, todos estamos em busca do nosso lugar nessa realidade.
Ao caminhar na praia no final da tarde, e ver o sol-rei brilhando na areia branquinha e ver dois camelos vindo em minha direção, tive um déjà vu muito grande. Que cena familiar. Sabe, a palavra caravana ressoa em mim há muito tempo. Eu me sinto em casa. O deserto me chama. O deserto sempre me chamou. Em algum momento, a minha jornada terá um momento importante lá. Ou, já teve, em outra vida no passado. Eu posso sentir.
Hoje foi um dia importante, onde mais cedo eu recebi um e-mail que eu estava esperando há um bom tempo. Em março, quando estava em Nova York, resolvi fazer o teste Ancestry para entender minha origem genética - ou, entender de onde meus antepassados vieram. Saber com detalhes de onde os que vieram antes de mim tem sua origem é algo profundo e algo que eu senti que eu precisava em minha vida. Há bastante tempo eu estudo sobre o fluxo da vida (que vem de nossos pais) e eu só posso imaginar a história de vida de meus antepassados mais antigos - que moravam em terras distantes, com vidas diferentes e com sonhos próprios.
Hoje, tento beber de sua força de vida, que ainda vive em mim. Hoje, vivo meus sonhos não só por mim, mas pelos que vieram antes também.
Ao ver o mapa, me deparo também com uma realidade que eu já sabia, mas que foi confirmada. Minha mãe é uma mulher negra, assim como toda minha família por parte dela. E agora eu já sei de onde vieram meus antepassados, transformadas violentamente em escravos, que compõe essa parte de mim: da região entre Camarões e Congo. Apesar de não falarmos muito sobre isso, eu sei que parte da família da minha avó materna eram escravos, mas ainda não sei quantas gerações viveram nessas condições no Brasil.
Me deparar com essa informação, dentro de um palácio no Oriente Médio me causa um sentimento diferente. Estou aqui por que minha mãe, uma mulher negra, conseguiu atingir um patamar de vida que permite isso. Ela, de uma família sem condições, que começou a trabalhar aos 13 anos, está aproveitando a mesma praia que a grande maioria de famílias brancas está aproveitando - enquanto pessoas de pele mais escura, como de minha mãe, nos servem e trabalham nas diferentes áreas do hotel.
Já tive inúmeras conversas com ela para entender como que a jornada dela deu certo, o que ela fez, quais passos ela seguiu. Sabe, a vida (da minha família e a minha) me mostra que há certas leis universais, que quando as entendemos e as seguimos, as coisas começam a dar certo - mas, nem sempre é tão rápido quanto gostaríamos, e é repleta de desafios impostos por uma sociedade que não é igual.
Hoje, escrevo isso de um dos hotéis mais caros já construídos, um palácio em Abu Dhabi. Mas, fiz meu passaporte com 20 anos. Eu lembro nitidamente o que é sonhar com um futuro de viagens, mas sem a certeza se ele vai acontecer. Lembro de uma infância e adolescência onde o que eu vivo hoje era algo inimaginável.
Sou uma mulher de pele morena clara, mas que desde muito pequena caminha por dois mundos. O mundo da família da minha mãe, um mundo com pessoas pretas que tem poucas oportunidades e que lutam com o que tem, e o mundo do qual eu fui exposta, branco de uma escola particular. Tive oportunidades e privilégios que minha mãe não teve, mas que ela conseguiu dar para mim, sendo o maior deles a educação.
Há muitos anos, em Foz do Iguaçu, lembro de ter visto em um museu em uma parede a seguinte frase": “Educação, és tudo". Hoje, entendo claramente que a educação foi a ponte para todas minhas conquistas. A educação que me levou a morar no exterior, que me levou a ter contato com outras culturas e a educação que me deu oportunidades de trabalhar em lugares que eu jamais imaginaria. A educação, hoje não formal e não ligada a faculdades, me leva a novos patamares em minha carreira e no meu desenvolvimento pessoal.
Quando pergunto para minha mãe o segredo do sucesso, não preciso esperar a resposta. Preciso apenas relembrar os muitos anos de trabalho e o exemplo dado. Minha mãe sempre trabalhou mais que todos, sempre buscou mais responsabilidades e décadas depois, ela colhe os frutos desse esforço, tendo um cargo de liderança dentro de uma área majoritariamente masculina - sendo uma mulher negra. Também, só preciso olhar para as paredes de nossa casa, repleta de livros, dos mais variados assuntos. Só preciso abrir um livro sobre as leis espirituais do dinheiro, que na sua primeira folha, tem uma carta escrita por ela em 1999, em que ela dizia estar pronta para crescer e finalmente ter dinheiro na conta.
Para viver (nessa vida ainda) uma vida diferente.
Bom, funcionou. Estamos em um palácio no Oriente Médio.
Mas, ao olhar ao redor, e ver tanto ouro (Inshallah!), percebo que o maior ouro da minha vida está na mão que eu seguro enquanto caminho pela praia. Está no que eu tenho dentro da minha mente, as incontáveis horas de estudo e aprimoramento. Está no meu coração, que apesar das tantas tentativas de quebrá-lo, ainda é teimoso, e pulsa como nunca.
A jornada da vida, as vezes, se assemelha a jornada pelo deserto. Se você olhar bem, o deserto fala com a gente, dá sinais, sutis, do caminho a seguir. Do caminho da travessia.
Seja lá qual caminho decidimos seguir, podemos e devemos nos lembrar da força que corre em nossas veias. A força da vida, que vem dos nossos pais, dos pais deles e de todos que vieram antes.
Que você decidida pelo o caminho do crescimento. De acreditar. De se sentir merecedor.
A jornada não é fácil, mas ela é a única que vale a pena.
Afinal, para que mais estamos aqui?
A vida fala com a gente.
Sente-se.
Pare.
O que você escuta?
❤️ Gratidão
O peso que essa carta trás pra mim é indescritível! Pontos semelhantes em sua trajetória de vida, honrar meus ancestrais e sua luta, assim como me sentir merecedor de mais e buscar realizar mais, dando o meu melhor. Sou extremamente grata por cada vez que você compartilha a sua jornada e a da sua família, mostra muito mais do que eu consigo definir, você é definitivamente uma inspiração para mim! Gratidão, por ser quem é, por honrar a sua jornada e nos ensinar a ser mais!