005 | A chegada, primeiros dias em Seoul e algo que você precisa saber sobre mim
22 Abril, Seoul 2022
{Nesse episódio eu divido uma história sobre saúde mental e ataques de pânico (ocorridos em 2018), saiba que isso pode ser um gatilho se esse assunto for sensível para você.}
Começo essa carta de um dos meus cafés favoritos em Seoul, Alver, da qual eu tenho muitas memórias e ainda sinto dificuldade de realmente acreditar que estou aqui, digitando essas palavras e que estou de volta a essa parte do mundo que eu tanto amo.
Hoje, quero compartilhar a chegada a Seoul e algumas coisas muito específicas que vieram a minha mente desde que pisei na Coreia da Sul.
A chegada e o processo de entrada no país foram mais fáceis que o esperado. O país reabriu para turistas apenas há alguns dias, no começo do mês e o processo está um pouco diferente do que era no passado. Dessa vez, tive que aplicar para um visto online, além do teste PCR e também um formulário para não realizar a quarentena (já que sou vacinada!). Para minha alegria, a imigração foi rápida e fácil.
Vale a pena contar que os cachorros que estão usando para cheirar as malas (e potencialmente encontrar algo) são beagles e um deles estava frenético em cima de uma mala do meu vôo. Foi muito fofo, mas também fiquei com um pouco de pena do dono daquela mala. Com certeza iriam checar cada centímetro do que a pessoa possui e ela passaria um bom tempo no aeroporto.
Resolvi pegar o metro para onde eu ficaria hospedada em Myeongdong e durante o caminho inteiro eu ainda não conseguia acreditar que estava aqui de verdade. A última vez que eu estive em Seoul foi no começo de 2019! A sensação de estar em um lugar tão familiar, com tantas memórias e também ficar de frente com versões antigas minhas foi algo surreal.
Com o cansaço da viagem, fiz o que deu vontade (e que honestamente recomendo): peguei um McDonalds para viagem e comi uma batata gigante vendo série, enquanto tomava banho de banheira no meu hotel. Sim, eu sei, você estava esperando turismo para matar a saudade logo na chegada. Mas, as regras do governo coreano dizem que eu preciso ficar esperando no hotel o resultado do meu teste de Covid, que eu fiz assim que eu cheguei, ainda no aeroporto. Apesar de saber que ninguém jamais saberia, tentei seguir as regras, que, honestamente, não parecem fazer muito sentido.
Depois do meu resultado negativo no meio da noite, resolvi sai para comprar algo para comer (alô Jetlag!). Conto isso, porque fiquei muito espantada e triste de ver o bairro que já foi o mais agitado de Seoul completamente vazio e abandonado. Myeongdong é uma região focada em lojas e fica óbvio que o impacto do Covid e a falta de turistas completamente arruinou essa região que dependia disso.
Interessante comentar que o declínio de Myeongdong começou enquanto eu ainda morava aqui (2016/2017), quando o conflito diplomático com a China começou por causa da região antimísseis THAAD e o apoio coreano aos Estados Unidos. O governo chinês proibiu grupos de turismo para cá - que vinham aos montes, principalmente para fazer compras. Vale a leitura desse artigo, que explica um pouco mais.
Acabei dormindo quase 10h da manhã, já que não consegui dormir e cedo eu tinha minha última mentoria ao vivo com a turma 4. A mentoria final é a minha favorita e é muito louco pensar que eu lembro claramente onde eu estava (um Starbucks no centro da Cidade do México) na mentoria final da turma 3, e lembro de afirmar na primeira mentoria ao vivo com a turma 4, em janeiro, que eu não tinha ideia de onde eu estaria quando fizesse a mentoria final. Bem, acabei terminando em Seoul, e durante a turma 4, fiz mentorias ao vivo do México, Colômbia, Argentina, Uruguai, Brasil, Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos e finalmente Coréia do Sul.
O assunto da última mentoria sem dúvidas vai se tornar uma carta no futuro, mas a minha jornada é a grande prova de que limite é uma ilusão.
Depois do descanso merecido, caminhei para a região de Jongno-3-ga, pois precisava colocar filmes da minha câmera para revelar. Alguns aspectos da minha vida eu ainda não consigo superar totalmente e tratar com normalidade. E o fato de eu ter uma loja de filmes analógico favorita no mundo, em Seoul, e eu saber chegar lá de memória sem precisar de uma mapa com certeza é um desses aspectos.
Em seguida, fui direto para um dos lugares favoritos que eu tenho na cidade e um lugar muito importante para mim. Não tenho certeza se eu consigo traduzir em palavras a história e relação que eu tenho com o templo Bongeunsa, e o quanto esse lugar é especial para mim.
Há um aspecto importante de mim - e que é parte fundamental de quem eu sou - e que eu quero dividir com você nessa carta de hoje.
Eu não tenho uma religião, nem um guru, nem um mestre. Eu não me encaixo em nenhuma caixa, e na verdade, faço questão de não me encaixar. Mas, eu sou muito espiritualizada e minha relação com o invisível é íntima e muito próxima. Eu não acredito em um Deus humanizado, com sentimentos próprios e dos quais eu preciso temer. Eu acredito em uma energia que permeia tudo, da qual eu (e você) somos feitos e acredito sim que temos divindade dentro de nós. Acredito que há mais poder em nós do que somos ensinados.
Essa crença me levou a procurar maneiras de me conectar com essa energia que há em tudo, inclusive dentro de mim. E templos, principalmente esse em Seoul, viraram um lugar de grande conexão com o invisível para mim. Eu não sou budista ( ou hinduísta), apesar de ter afinidade com as duas religiões. Mas, me sinto muito bem nesses templos. Sinto uma energia de acolhimento, da qual, eu com muita felicidade, permito entrar em mim.
A minha primeira visita a esse templo - que fica no centro de Gangnam e que é cercado de grandes prédios - foi em 2015, mas eu só comecei a me conectar de verdade com esse lugar em 2018. Alguns já sabem, mas em 2018 eu tive ataques de pânico quando morava na China - após ter morado aqui na Coreia do Sul. Depois de ter tido meus três primeiros episódios de ataque de pânico em Shanghai em menos de uma semana, eu realmente achei que iria morrer. É muito complicado o que aconteceu comigo e o meu estado emocional e até físico naquele momento da minha vida. Mas eu não podia permanecer onde eu estava. Meu primeiro ataque de pânico aconteceu algumas horas depois de eu entregar minha tese do mestrado. Apesar de ainda ter aulas, eu precisava de um tempo para me recuperar.
Quando eu dividi o que aconteceu com minha mãe, ela pediu para eu voltar para o Brasil. Mas, eu sabia que eu não tinha condições de viajar por tantas horas, e eu tinha muito medo de não conseguir voltar para a China, perder aulas demais e de alguma maneira perder o semestre e minha bolsa de estudos. Eu precisava melhorar, mas eu precisava manter minha bolsa e me graduar. Ao pesquisar, lembro de ter encontrado uma passagem de avião com um preço ótimo (pro mesmo dia!) e eu simplesmente fiz uma mochila e vim para Seoul - o único lugar das redondezas que eu não precisava de visto. Palavras não descrevem minha gratidão pelo grande privilégio de ter tido condições de fazer isso.
As duas semanas que eu fiquei aqui me ajudaram demais no meu processo de melhora e eu pude finalmente respirar um pouco. Foi uma sensação de voltar para casa, e apesar de ter faltados as aulas na China, eu ia para cafés estudar e ficava andando pelas ruas daqui. Eu lembro muito claramente de durante essas duas semanas, ir quase que diariamente nesse templo. Eu sentava na frente da estátua de Maitreya e colocava um vídeo no Youtube de barulho de chuva, e ficava lá, rezando para que eu melhorasse, que eu tivesse saúde e que o futuro fosse melhor, apesar do medo.
Nem sei o que os coreanos pensavam, ao me ver sentada na frente da estátua, as vezes por quase 2h, de olhos fechados e só tentando estar presente. Mas eu ia, e cada vez que eu fazia isso, eu me sentia um pouco melhor. Lembro também, de rezar para que um dia eu pudesse voltar para o templo no futuro, com o amor da minha vida. Em 2019 (apenas um ano depois!), fui lá com meu ex namorado e achei que tinha tido meu desejo atendido. Voltando agora em 2022, solteira, ri sozinha. O desejo sem dúvida foi atendido, mas o grande amor da minha vida era eu mesma. E eu estava lá, de volta. Dessa vez, sem nenhum pedido. Apenas agradecendo. Muito. Pela minha saúde, por não ter ataques de pânico há anos, e por todos os sonhos já realizados até aqui. Eu agradeci por quem eu sou e a jornada que me trouxe até aqui. Agradeci. Por cada sorriso. Agradeci. Por cada lágrima também.
É dramática a diferença da Ana de 2015, quando veio para cá pela primeira vez. A Ana de 2016/2017 que morou aqui e começou a crescer. A Ana de 2018, destruída em busca de familiaridade. A Ana de 2019, iludida e ainda com medo. E a Ana de 2022, que só consegue agradecer por tudo.
Nos últimos dias eu reencontrei tantos amigos, e me vi de frente com tantas memórias. Ao caminhar por diferentes áreas da cidade, consigo lembrar com precisão de momentos que hoje só existem na minha mente. Fica uma leve sensação: será que tudo isso aconteceu mesmo?
Como que eu consegui construir uma vida onde eu tenho uma conexão tão rica com um lugar tão distante do Brasil? Onde eu consigo ver tão claramente a minha própria evolução pessoal, vivida em cada canto dessa cidade? Onde eu consigo me sentir em casa do outro lado do mundo?
Sei que muitas pessoas ao redor do mundo desejam vir para a Coreia do Sul, andar por essas ruas, se envolver com essa cultura tão diferente da nossa. Sei também, que poucos conseguem. Ontem mesmo, encontrei uma amiga brasileira e ficamos conversando sobre como viemos parar aqui e as incomuns portas que se abriram para que a gente conseguisse realizar isso.
Sabe, onde há uma vontade, há um caminho.
Me apaixonei por esse lugar em 2012, muito antes da explosão, e também muito antes de ser considerado legal gostar de K-Pop, K-dramas ou de cultura coreana em geral. Quando vim em 2015, alguns colegas de Relações Internacionais me perguntaram: porque a Coreia do Sul? Alguns ainda perguntavam sobre qual das duas coreias eu estava indo. Era uma espécie de buraco negro, onde ninguém tinha muita ideia do que eu estava falando ou fazendo, do que a Coreia do Sul era, da história da península coreana, e sobre o que existe nesse canto do mundo.
Eu vi com meus próprios olhos a popularização da Coreia do Sul, não só no Brasil, mas no mundo. Ao olhar pela janela e ver a rua, vejo um casal coreano passando de mãos dadas e vejo as árvores tão lindas daqui, e sei que há muitos corações que desejam viver esse exato momento - de estar aqui. E apesar de poder usar esse espaço para contar as pequenas aventuras já vividas desde que eu cheguei (que sempre existem em um país que você não é fluente na língua!), escolho usar esse espaço para te lembrar mais uma vez: onde há uma vontade, há um caminho.
Estar aqui já foi um sonho distante para mim também.
Talvez teu sonho não seja a Coreia do Sul, talvez seja outra coisa. Mas saiba que é possível. Olho para trás e percebo que a minha vontade de vir para cá me levou a buscar oportunidades, que se tornaram realidade e que hoje são memórias. A jornada vivida aqui não foi nada do que eu esperava (ou até poderia ter sonhado), mas foi exatamente o que eu precisava.
Há sabedoria nos nossos sonhos, no que o nosso coração realmente deseja para nós. Talvez lá atrás, em 2015, não fizesse sentido vir para cá, de decidir fazer um mestrado aqui ao invés de tentar ir para lugares mais renomados, não fizesse sentido essa escolha que foi tão genuína e autêntica de ir para o outro lado do mundo em um país que quase ninguém conhecia, ou até, se importava.
Mas fazia sentido para mim, dentro de mim.
E hoje, quase 7 anos depois da primeira vez que eu pisei aqui, entendo que a Coréia do Sul é uma parte importante da minha história, e que vai ser sempre parte de mim e de quem estou me tornando. E sei também, que conforme o tempo for passando ainda mais, tudo isso vai se tornar ainda mais precioso, assim como essas tantas memórias que eu tenho aqui, que só existem na minha mente e no meu coração, mas que são uma das coisas mais inestimáveis que eu tenho.
Te convido a pensar mais sobre o que você quer de verdade para você. Quais experiências você quer ter. Que tipo de pessoa você quer se tornar. Te convido a acreditar que alguém como você pode sim, viver os seus sonhos.
A jornada não é linear, nem fácil. É cheia de “nãos” invisíveis, esquecidos entre os poucos “sims” que são celebrados e lembrados por todos. Mas, essa jornada vale a pena. Olhar para trás, e ver sonhos vividos e que se tornaram doces memórias é algo imensurável.
Que daqui alguns anos você também possa me mandar um e-mail, me contando da sua jornada, dividindo como você não apenas viveu seus sonhos, mas como você consegue olhar para trás e ainda não acreditar em todas memórias que você construiu.
Onde há uma vontade, há um caminho.
Que carta maravilhosa Ana, mas acima de tudo uma grande gratidão por tamanha inspiração que pude sentir ao ler teu relato. Encontrei sua carta por acaso mas foi justamente o que eu precisava ouvir de alguém uma vez que ainda estou na parte de receber "nãos" em minha jornada. Ter alguns pensamentos negativos são inevitáveis em meio a tudo isso mas continuo procurando forças para conseguir transformar meus sonhos em boas e necessárias memórias. Muito grata por vc ter compartilhado este relato! ✨
Minha mais sincera gratidão Ana, por cada palavra, por cada ensinamento e insensitivo. Suas palavras me trazem a um estado de espirito inestimável. Espero muito que daqui a um ano eu possa estar te contando de como cada um destes momentos e vivencias compartilhadas me ajudaram a ultrapassar as minhas barreiras internas e de como estou vivendo a vida que eu sempre sonhei. Gratidão!