Mais uma carta diretamente do centro financeiro de Dubai, dessa vez em um café super charmoso chamado LDC. Já que estou ficando nessa região (exatamente no mesmo lugar onde eu morei por um ano!), gosto de vir em um dos muitos cafés e restaurantes daqui. É uma sensação indescritível poder estar em Dubai, mas pelas minhas próprias pernas, sem estar trabalhando para nenhuma das empresas daqui.
Quando que nos meus sonhos mais loucos eu achei que poderia estar no centro financeiro de Dubai, indo trabalhar de cafés - incríveis, por sinal - e que eu poderia escrever e fazer meus próprios horários?
Que eu poderia estar aqui por escolha… e com liberdade?
Que eu poderia no caminho estar aprendendo ainda mais sobre diferentes culturas, religiões e modos de viver? Que assim, me sentiria totalmente a internacionalista que eu sempre quis ser?
Ainda tenho muito para escrever sobre as escolhas e desafios que me ajudaram a chegar aqui. Mas, hoje quero escrever sobre a minha experiência de ontem a noite, ainda muito viva em mim - especialmente em meu estômago ainda se recuperando do banquete.
Ontem, pela primeira vez, pude participar de um iftar!
Antes de explicar o que é um iftar, acho importante dividir (com meu conhecimento limitado de alguém que não faz parte dessa religião) um pouco sobre o Ramadan, esse período de jejum que começou há alguns dias.
O Ramadan faz parte de um dos 5 pilares do Islamismo, que definem a identidade básica de muçulmanos e suas obrigações que devem ser cumpridas durante sua vida. Os 5 pilares são:
Shahada: A profissão da fé e é a expressão fundamental das crenças Islâmicas. Ela afirma que “não existe Deus exceto o Deus e Maomé é o seu profeta”.
Salat: Orações diárias. Espera-se que muçulmanos rezem cinco vezes durante o dia, virados na direção de Meca.
Zakat: Atos de caridade. Espera-se que muçulmanos doem parte de sua riqueza e ajudem os menos favorecidos.
Sawn: Jejum do mês do Ramadan. O mês sagrado do Ramadã acontece no nono mês do calendário islâmico, e espera-se que muçulmanos façam jejum do amanhecer ao anoitecer. É importante notar que há exceções para idosos, doentes e grávidas.
Hajj: Peregrinação a Meca. Todos muçulmanos com condições físicas e financeiras devem fazer a peregrinação a Meca pelo menos uma vez em suas vidas.
Eu lembro que meu primeiro contato com o Ramadan foi quanto estive pela primeira vez aqui nos Emirados Árabes Unidos em 2013. Foi no final do meu Summer Program para a China, onde meu grupo fez uma parada de 3 dias aqui, na volta para o Brasil. Era final de agosto, e além do calor escaldante, descobrimos que havíamos vindo durante o mês sagrado! Lembro vividamente da nossa dificuldade de encontrar restaurantes abertos para o almoço, e que acabamos pedindo sanduíches no Subway (que tinha cortinas, para que as pessoas de fora não pudessem ver as pessoas comendo).
Importante notar que hoje em dia em Dubai as coisas estão mais flexíveis e muitos restaurantes estão operando normalmente - sem cortinas e restrições. Eu ainda estou comendo e tomando cafés (muitos operando apenas internamente e não oferecendo seus serviços na área externa), mas sinto a vontade de me vestir de maneira mais modesta - não mostrando meus joelhos e ombros - e também estou evitando tomar água em público na rua, por respeito aos que estão fazendo jejum. Não senti até agora a menor pressão de fazer nada disso, mas me sinto feliz de realizar esses pequenos atos já que estou aqui, inserida em uma cultura diferente da minha.
Em 2020, enquanto morava aqui, também lembro de alguns dias antes do começo do Ramadan aprender que por seguir o calendário lunar, ele não acontece todos os anos no mesmo período do ano do calendário gregoriano (o que nós seguimos, que vai de janeiro a dezembro). Além disso, existe uma data prevista de quando o Ramadan pode começar, mas ele só começa de fato quando a lua crescente é avistada - e acredite, sai nos noticiários que a lua foi avistada na Arábia Saudita e que o mês sagrado está começando.
No mês do Ramadan é esperado que muçulmanos façam jejum do nascer ao pôr do sol (incluindo água), além de ser um mês de caridade e celebrações, onde muitos fazem o iftar com suas famílias e amigos.
O iftar é justamente isso, o momento da quebra do jejum, no pôr do sol!
Vale dividir algo interessante que eu aprendi com uma amiga. Pelo o jejum seguir o sol, muçulmanos que moram em países nórdicos ou no extremo próximos aos polos, acabam tendo períodos de jejum muito mais prolongados quando o mês do Ramadan acontece no verão - já que em muitos países há incidência solar por muitas horas.
E ontem, fui com uma amiga para celebrar o iftar em um hotel aqui em Dubai. Não vou tentar descrever a dificuldade de conseguir uma reserva, mas depois de usar minhas habilidades de negociação, consegui uma reserva no Park Hyatt na área do Creek em Dubai. Vale lembrar que essa celebração (um banquete realizado após o pôr do sol) é aberta para estrangeiros e qualquer pessoa que queira participar, mesmo que não se esteja fazendo o jejum.
Antes de mais nada, preciso descrever minha surpresa ao chegar no hotel. Modéstia a parte, eu acreditava que conhecia bem a cidade e seus hotéis. Ledo engano. Como minha amiga descreveu, o Park Hyatt é um dos melhores segredos de Dubai - que eu estou contando agora, ha! Dubai realmente não para de surpreender, e tentei conter minha surpresa ao chegar lá e perceber que o hotel imita uma ilha grega (porque não?!). Lindíssimo e já coloquei na minha lista pessoal visitar outro restaurante situado no hotel chamado Noépe.
Tive o prazer de ir com uma amiga minha chamada Lays Laraya, uma brasileira incrível que além de ser executiva em uma startup de F&B, também tem um instagram incrível onde ela mostra as viagens dela ao redor do mundo e seu amor pela Emirates @skywardsfreak.
Ao chegarmos, já fomos recepcionadas por Kevin (a pessoa que me ajudou a conseguir a reserva!) e que gentilmente nos levou até nossa mesa. Mesmo com uma empresa tendo reservado 350 lugares, eu e Lays estávamos prontas para nos juntarmos ao banquete, como as únicas outsiders - acredite em mim quando eu digo que eu batalhei por essa reserva. Enquanto esperávamos o final do pôr do sol, conversamos muito e conseguimos aproveitar a vista incrível do Creek - com o Burj Khalifa (prédio mais alto do mundo) no fundo.
Pelo o que eu percebi, é comum as pessoas comerem tâmaras, beber água e até iogurte antes de realmente começarem o Iftar. Quando o garçom nos avisou que podíamos ir para o buffet, logo me vi de frente com uma quantidade muito grande de opções - que iam desde pratos indianos, paquistaneses, alguns que acredito serem persas e até outras que eu não sabia identificar. Consegui aproveitar um pouco de tudo (até me aventurando e me experimentando um prato indiano que eu não entendi o nome, mas que era um bolinho frito com arroz e uma calda doce branca por cima), mas até rimos que fomos para um iftar para ambas nos acabar com o rolinho primavera.
Vamos ser sincera, quem não ama um bom rolinho primavera?
Lays também pediu o suco que ela mais gosta: Jallab! Uma pequena iguaria libanesa que é uma suco que segundo o google é um melaço de uva e água de rosas, com tâmaras. Um suco que eu amei, apesar de ser beeem doce.
Acho que no fim o que transformou essa experiência tão memorável foi justamente o espírito do iftar. De dividir momentos com quem você gosta, de conversar, aproveitar sabores e ver a lua no céu. Foi uma noite incrível, na qual eu sou muito grata pelo encontro com a Lays. Fiquei até emocionada, pois a última vez que nos encontramos (em 2019!!) eu falei para ela que meu sonho era fazer uma mentoria… e bem, aqui estamos. Comentei pra ela que estava feliz por perceber que eu me tornei o tipo de pessoa que realmente faz o que fala que vai fazer - apesar de que por dois longos anos eu só falava, falava e nada de fato acontecia.
Dessa vez, já dividi com ela alguns próximos sonhos, inclusive o de nos encontrarmos de novo e eu poder dividir que tudo que eu estava me propondo a fazer… estava feito.
Há uma certa mágica no ar de enfrentar suas barreiras e medos internos na direção dos seus sonhos. Novamente, olho para trás sem entender totalmente como que eu cheguei aqui. E novamente, posso apenas agradecer. De estar no Oriente Médio (lugar que eu já morei, trabalhei e estudei), podendo novamente viver experiências completamente diferentes e podendo aprender ainda mais sobre diferentes religiões, tolerância e modos de viver.
Quanta riqueza há nesse mundo a nossa espera de ser descoberta, e quem sabe, dividida?
Que você possa dividir momentos assim também, e quem sabe, hoje mesmo antes do jantar? Você não precisa jejuar e ter um iftar para dividir momentos com quem você gosta. Não há barreiras geográficas ou religiosas para se poder dividir uma refeição com uma conversa sincera e produtiva.
Hoje, antes de terminar, eu quero te (re)lembrar:
quais sonhos você já dividiu com pessoas e que você ainda pode realizar?
Qual passo você pode dar, para se tornar a pessoa que vive os sonhos que ousa dividir em voz alta?
Qual ato você pode fazer, para se tornar a pessoa que fala dos seus sonhos…
e que então vive eles?
Eu acho incrível como através das suas palavras, consigo acessar lugares do mundo interno e externo que eu jamais pensei ser possível.
Através dessa carta eu me senti em Dubai, eu me senti em mim e me senti em casa. Eu li essa carta 3 vezes antes de vir escrever e em cada uma delas eu senti uma coisa tão única que nem sei explicar.
Lendo essa carta eu percebi o quanto eu ando me esquecendo dos meus sonhos, e eu nem vou chorar minhas pitangas aqui, mas sua carta foi a primeira vez no último mês que eu me senti viva, que eu me permiti olhar pra dentro com carinho e me permitiu relembrar tudo o que eu quero e que já é meu.
O Universo é perfeito e encontrar uma alma como a sua é prova disso, gratidão Ana por coisas que eu ainda não posso explicar, mas da mesma forma que você combinou com a sua amiga de contar tudo o que vai realizar, eu me comprometo a voltar e te contar tudo.
Como você disse, há uma certa mágica no ar de enfrentar suas barreiras e medos internos na direção dos seus sonhos, e eu só tenho a agradecer por você me lembrar, ensinar e guiar nesse caminho mágico.
Senti uma energia incrível lendo, (até nostálgico), parece até que dá p/ sentir o mesmo sentimento através das cartas. MUITO animada pelas próximas, e amei muito a tua escrita, realmente tem teu coração nelas Ana. 💕